terça-feira, 2 de julho de 2013

Fragmentos de tempo que contam histórias sem tempo nenhum

Foi um Bryan quem me levou ao meu primeiro concerto em 91. A esta distância já não nos cumprimentamos mas, naquela época, tenho a certeza que me viu entre a multidão porque passei grande parte do tempo no lugar privilegiado das cavalitas de um tio que não era meu tio. Agora olho para os bilhetes que fui guardando com o passar dos anos e percebo que mudamos com o tempo quando não reconhecemos o que foram os nossos gostos. E estes bilhetes que guardamos escrevem parte de uma história. Olho para eles e encontro o Abrunhosa mas reparo que não guardei o Bandemónio de bilhetes que me passaram pelas mãos nas tantas terras do norte. Sting lembra-me o aniversário da minha irmã e a relva de Alvalade num dia de muito Sol. Um dia em que uma tarde em minutos se fez noite no trânsito de uma Lisboa frenética que me era estranha. Mas conservei três bilhetes da Maria João e do Mário Laginha, entre o Coliseu e o Rivoli e percebo que me tornara mais interessada pela música e pelas pessoas que se juntavam comigo e que conservo ainda hoje. Outras vezes, a vida é uma sucessão de amigos. E eu sempre disposta a chegar primeiro, gostava muito de me sentar à espera antes dos espectáculos, na escadaria do Coliseu, onde nos procurávamos encontrar. Já não mudava tudo com o passar dos anos. Era também fiel ao piano. E foi outro piano que me levou a Famalicão ver o Michael Nyman, anos mais tarde. Ou o Rodrigo Leão em Tavira numa noite ao ar livre com direito ao ensaio, para rever no festival do Silêncio entre poetas, no São Jorge, nesta Lisboa recente que já é casa. Os Ornatos Violeta e, talvez porque o monstro precise de amigos, os Turbojunkie estiveram comigo no Hard Club há muitos anos e houve os The Gift no Rivoli onde comprei o Vinyl longe de imaginar que os iria rever tantas vezes no queimódromo mas com muito menor atenção. Avanço então com mais bilhetes. Alguns foram rasgados no lugar da data.  Vejo isto e sorrio. Não importa: a música não tem cronologia e os concertos são momentos particulares de auge. Então avanço. Os Violent Femmes levaram-me a visitar a minha amiga de infância que estudava em Coimbra. E foi um qualquer espectáculo esgotado que me levou aos Stomp no Coliseu. O barulho que era música e atenção à riqueza reciclada. Quando achamos que sabemos onde devemos ir as surpresas apanham-nos. Os Cinematic Orchestra e o Nitin Sawhney actuaram no Sá da Bandeira depois de filas que se encaracolavam na baixa portuense. E o metro de Lisboa levou-me aos Smashing Pumpkins concretizar um querer muito forte de ali estar. Mas de regresso ao Porto, foi o Ben Harper que vi novamente encher o palco com os Innocent Criminals. E maiores culpados fizeram-me voltar ao Coliseu: os bilhetes dizem d’Os Cult, Massive Attack, Air, Tricky, Bahaus, Lamb e até o Caetano Veloso antes dos Sigur Rós que aclamei de pé entre um público muito atento em tempos de menor euforia com uns islandeses mais tímidos que passados 8 anos voltei a receber no Campo Pequeno. Desta vez tive a minha mão a agarrar outros cinco dedos que fazem parte da minha vida, num dos melhores dias do meu ano. Fui porque tinha de ir: afinal, voltamos sempre àqueles de quem mais gostamos.

Porquanto estes fragmentos são também memórias, guardá-los-ei. Já perdi muitos pelo caminho. Concertos e bilhetes. E as noites de concerto são magia sob muitas formas. A distância antes. Os minutos que são a espera. A espera que são pessoas. Que aguardam. Aguardam. Aguardam. As pessoas que são partilha. Partilha de ali ir. Ir é passar as entradas. Entradas aclamadas que são o palco a encher. Encher os sentidos. Sentidos atentos que são os instrumentos em movimento. E o movimento é a vibração das coisas. Coisas que são a pouca luz do ar. E o ar é fumo. Fumo que é proibido na sala. E a sala é quente. E quente é dentro do espaço. Espaço que fica apertado. Apertado é um coração. Coração concentrado em tudo é alegria. A alegria que é o público. O público que são as pessoas. As pessoas que por um par de horas são família. E a família são sorrisos entre a dança. A dança que é prazer. O prazer que é sair do lugar. O lugar que é ali. Ali que é um lugar sem tempo por algum tempo. Um tempo que é pouco. Um pouco tempo que apetece mais. E venha mais um concerto. Só mais um. Um, de cada vez, para consumir inteiro mas bem devagarinho e, de preferência, com a tua mão a agarrar a minha.