sábado, 30 de março de 2019

Dearly Beloved

Helvetica. Tamanho normal. Terceira tonalidade de cinza. Justificado. Justificado é o texto alinhado de maneira mais ou menos simétrica, que é como eu prefiro. Um espelho a meio. E o reflexo quase igual do outro lado. Depois, sentar ao centro as duas faixas instrumentais do mesmo videogame. Uma atrás da outra. Mas para ouvir em sequência: primeiro, a mais rápida. Bons versos de teclado. Coisas que tocam. Esses arranjos sagrados que tocam mas sabes que pretendem falar. E seria como ouvir a voz de cada instrumento. Seria como num filme de Leos Carax. Depois, a versão prolongada à frente do espelho. Mais movimento, mais lento. Uma espécie de dança nipónica dentro do espelho. Mas acho que nunca vi nenhum japonês dançar. Falo daqueles passos de ballet que te levam o mar aos olhos. E é quando junto tudo. E o teclado escreve um texto a aumentar com o tempo que se mistura contigo. A distância entre nós nas margens. Eu podia estar na costa perto da praia. O panorama é mais brilhante e é quase Abril. Mas habituei-me a não estar. E com o passar dos anos, rimos com as memórias boas. Mas isto de dançar é mesmo verdade. Eu herdei uma caixa de música com uma bailarina lá dentro. Basta abrir e gosto sempre do que vejo: é a vida cheia de virtudes a rodar a saia. E a versão prolongada do jogo agarra-nos. Às vezes penso no tempo que se perde a brincar com as máquinas. Mas a conversa não é sempre a mesma. Cada um é que sabe em que concentrar-se. Pode ser a tonalidade do cinza ou tudo o que está por trás da letra e em frente ao espelho. E segues, nem pensas na iluminação. Só quando vem o sol pela frente, de manhã, é que te encandeias e tens de abrandar. A velocidade dos carros fica mais demorada também. Ou é das filas. O texto mantém-se alinhado entre a faixa a meio da estrada. Pode ser um rosto a olhar um mesmo rosto sem se importar que os olhos se pousem a meio. Olhos que desligam do espelho dos outros. Olhos simétricos porque vêem parecido. E a mão que não chega a tocar. 





sexta-feira, 29 de março de 2019

House of Woodcock

Do imaginário. Antes do desejo de voar, de viajar. Depois, a ameaça de existir. A presença. A mudar aquelas vidas para sempre. Ou a ideia de que as vidas mudariam para sempre. Eu tenho uma frase que, em caracteres japoneses, diz que quando mudo a minha vida, altero o universo inteiro. E é isto que gostamos de fazer. Mudar o lugar das estrelas, no tabuleiro do céu. Às vezes, nem são estrelas que vemos. E os astronautas lá por perto no seu ofício mecânico. Curioso, o céu poder ser também um local de trabalho para o homem, e chamarmos-lhe espaço. Tão redundante, tão reduzido. E, em verdade, uma estrela que vemos pode ser somente um satélite perdido. Daqueles já sem funcionar. Lixo a luzir no espaço... E, no entanto, tanto que parece ser.


terça-feira, 26 de março de 2019

Eyes Closed and Traveling

Olhos fechados e viajando para trás. Foucault, sobre a linguagem ao infinito, evoca Blanchot, e diz que deve-se "escrever para não morrer", porque, e (agora) por meio das suas palavras esclarece que "o discurso como se sabe tem o poder de deter a flecha já lançada num recuo do tempo que é seu espaço próprio". O vazio é uma curva entre o prazer do texto e a morte. A comunicação é a espinha dorsal do voluntário que se levanta para pensar. Olhos fechados e sonhando para a frente, já.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Morning Glow


Se eu escrevesse uma letra para acompanhar este piano, seria qualquer coisa a começar assim:

Olha mais de perto
são cinco peixes a dançar.

E eram mais ou menos os mesmos movimentos, lado a lado. Depois, separados, porque há sempre um a decidir primeiro dirigir-se à superfície. É a vida, era a vida. Lá fora, a tua cama desfeita, ou como dizer: a cama por fazer de lavado. Também imagino que, por causa disso, fosse preciso mais cuidado sobre o que houvesse a falar com dedos. E eu podia continuar a escrever: 

Olha um pouco mais atento
é o fulgor da manhã a chegar.

E é sempre preciso tempo para levantar. Como o sol se levanta sem pressa atrás dos prédios mais altos, se houver prédios altos. Eu gosto de cidades. E da condição edificada das cidades que se erguem para nos salvar. Gosto também de me comover com ruínas. Lembram-me que hoje somos outros a mais dos que já não estão. E a morte é sempre uma mudança de cor. Como o consolo do amor que às vezes sucede a paixão. 

Até que me contento
Por ficar só eu a olhar.

E, nesse momento, deixamos a água, a terra e todos os planetas. Porque era uma noite cheia de estrelas, mas das que cintilam bem. Depois dos terraços, depois dos telhados, depois das antenas dos aviões, depois dos foguetões, para lá dos cometas. Ali, no final, quando o piano já tem percussão a acompanhar.


quinta-feira, 14 de março de 2019

Bilingual

Me, I am wondering around. 
The notes on the house walls

We talked about that sound
That I take to do it all
Maybe you do too
.

.

.

.

.
.

.

Era uma flor 
Como todas as flores
Em bicos dos pés na terra
Só que aquela 
não era igual
A mais nenhuma










M.
Kowait, 29 Agosto 2018

Red Apples

Experimentei as maçãs vermelhas da minha vida. Não sei o que continham. Eram doces. Havia uma textura forte a algo demasiado açucarado para ser natural. Talvez se perdesse com o passar dos dias. A frescura. Talvez se perdesse. De qualquer maneira, a noite passada sonhei com uma fenda no teto e fui consultar o significado. Dizia que era um sentido de rompimento. E assim foi a maçã no paraíso, dizem. "Dreams are necessary to life".




Everybody Loves You

É aquela ideia que se tem pelo menos uma vez na vida, de cada vez que a vida é sentida com a força da eletricidade. E o poder que a corrente tem em dias de chuva e de trovoada é imenso, como hoje. E parece que somos mortais. Podemos fingir que não, mas somos tão iguais nesta vã passagem a par da natureza. Somos tão mortais quanto quando nascemos. E o vento parece levantar tudo, com a pressa de arrastar para depois levar só por levar. Eu não tenho medo, confio sempre que não me há-de querer apanhar tão cedo. Entretanto, há aviões a cair por aí. Neste século, ainda não perdemos a capacidade de os deixar cair. Mas deve haver alguma explicação para isso. Everybody loves you. But you have your days. A tradução disto na América do Sul parece mais fácil de dizer: "Você tem os seus dias". Como eu tenho os meus. E agarro-os, pois o vento não me os há-de levar. As portas batem e eu a pensar que a Primavera estava já assente. Mas o poder deste vento do deserto. Algo tão incerto e sem sentido. Como tratar-te por tu ou por você. Uma escolha que teria de fazer. Como as imagens, sinais que tenho andado a tentar escutar. There's the bird that never flew. Um pouco longe, hoje. Mas a poesia destas coisas toca-me na pele vestindo-me de certezas de destino. Pois parece que o vento aqui anda meio perdido. Às vezes, demasiadas vozes nas cabeças da gente. A sala cheia no trabalho mas falta o maestro para a descarga das nuvens, até a noite vir. Podíamos imaginar instrumentos musicais. Piano, sempre, outros de cordas e... flautas. É, na verdade, como um concerto. A vida corre e regista e corre e segue sem parar, como nas pautas.



Everybody wants you
Not me today, 'cause I'm done
Everybody loves you
Not me, no way
I don't work that way
'Cause I was built from concrete
'Cause I don't hurt no more
'Cause I've been getting no sleep
What's it all for?
And I go numb when you speak
Just another flaw
And I hate when we meet
Does that say it all?
Everybody wants you
Not me today, 'cause I'm done
Everybody loves you
Not me, no way
I don't work that way
'Cause I'm a fucking live wire
And I can light the night
But if you're looking for me
I'll be out of sight
And if you're feeling empty
I think your luck's run out
Would my voice be plenty?
Only you would know
Everybody wants you
Not me today, 'cause I'm done
Everybody loves you
Not me, no way
I don't work that way
Everybody wants you
Everybody loves you
Everybody wants you
And I do too
Everybody wants you (why do I still care?)
Everybody loves you (ain't it obvious?)
Everybody wants you (why wouldn't they?)
Everybody loves you (why do I still care?)
Everybody loves you (ain't it obvious?)
Everybody loves you
And I do too

sexta-feira, 8 de março de 2019

Woman

Dia da mulher. Para mim um Domingo, destes Domingos que temos às Sextas-feiras. É tão emocionante viver no Médio Oriente e saber que isto de aqui viver é algo muito temporário.  Não sabemos quanto tempo tempos e pensamos que o dia seguinte estará cá sempre. Do you really really know? Can you ever really know? O meu avô materno morreu num 8 de Março. Até então era o dia favorito da minha mãe. Achamos que foi propositado para não nos esquecermos dele. Como não me quero esquecer do quão temporário é todo este tempo, toda a alegria, todo o desejo, e mesmo todos os desalentos que no final da história contarão tão pouco. É bom ser mulher, e existir debaixo de um sol que todos os dias acorda. E este sol deste longe daqui, põe-me três horas à frente. Estar no futuro pode ser tremendo e pode ser antever a ordem no caos, ou, até pode ser apenas andar a teu lado e governar as nossas almas, secretamente.


Your Lie in April

O nome, o título. Shigatsu wa Kimi no Uso "Your Lie in April" é uma série de manga. Como se as canções trouxessem mensagens inarráveis. Ou como se, ao dizerem tanto, tomassem o lugar de uma série inteira, para uma explicação mais longa ao longo de muitos episódios. Não tive curiosidade pela série mas agarrei-me à banda sonora. Não sei qual é o compositor, consegui descobrir que são vários. Estas composições com piano e violino têm anos, têm magia em notas de música que são poemas. A terceira sugere o Forbidden Colours de Ryuichi Sakamoto. Coisa curiosa, o vídeo de uma campanha no trabalho (para mantermos a marina limpa), me ter trazido até aqui.