domingo, 30 de junho de 2013

O lugar Azul

Até hoje, nenhum outro filme superou a minha preferência. E, se de repente, acordamos sozinhos e somos forçados a existir numa nova vida, distante do lugar que nos fez felizes? Isto é BLEU. Krzysztof Kieślowski realizou, Zbigniew Preisner compôs e o resultado é indissociável. Juliette Binoche é, numa representação avassaladora, Julie, quem experiencia despertar no próprio pesadelo terreno e quem aprende a sobreviver nesse lugar sem referência. 

A sua existência é dolorosa porque ela fica só, vagueando consigo própria num espaço sem passado, onde desesperadamente procura aceder ao silêncio, portal para uma liberdade emocional que não lhe assiste. Chamada por um Amor que não sente, acaba por regressar a esse lugar pretérito de onde se auto-excluiu, descobrindo-lhe partes novas às quais não tenta escapar. A nova definição do mundo é propósito do seu regresso à música. E a música é o único ponto de encontro entre um antes perdido na chuva e um depois difuso.  

Bleu é um labirinto fílmico que não poderia existir sem esta banda sonora. Poucas são as palavras da narrativa, mais necessárias parecem ser as expressões e os olhares.  E o texto da composição  invocada em todo o filme, Song For The Unification of Europe, cantado por um coro grego, trata-se da transcrição de um documento bíblico, que aliado aos instrumentos anteriormente decididos integrar a orquestra (o pormenor da decisão da flauta, ...), preza sobremaneira a promessa de se ultrapassar a enunciação da desistência pela integração do Poema ao Amor (*), versando-O como última salvação. Reconstitui-se a música como se a vida fosse recuperar-se também. No final, antecipa-se um Sol ainda verde que levemente se levanta. É uma súbita esperança onde intuimos que poderão nascer outros sonhos dali. Afinal, encontrara-se o lugar certo para estar. Este azul, além de uma faixa da revolução, é mais um rio que leva ao mar. 


(*) “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera e tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor”

Excerto do Novo Testamento (Capítulo 13 da primeira Epístula aos Coríntios)