domingo, 25 de agosto de 2013

Em jeito de Haiku

Vale a pena 
olhar o céu: também a
espera tem fim. 

sábado, 24 de agosto de 2013

We Are Electronic Performers

Não são assim tão escassas as alturas em que a música electrónica me assalta. Esta dá logo vontade de começar a acompanhá-la. Sem tempo para passar no bengaleiro ou ir buscar qualquer coisa para beber. Não preciso de beber. Não fumo. Mas a pista é minha. E nada de grandes movimentos de dar nas vistas. Apenas aquelas deambulações que nos libertam no lusco-fusco. Sobretudo o pescoço. O corpo também faz a sua parte, repartindo-se nas várias camadas de ar. E justamente falava-se dele em francês. Corrigo: escrevia-se. Ou melhor: eu escrevo. (E aqui para nós, acho que toda a gente que escreve blogues pode e deve considerar-se um artista electrónico. Porque não? Faz sentido. Dámo-nos a esta tarefa de estarmos aqui sem sabermos para quem. Reunidos neste trânsito de electrões. Mas é bom estar aqui e ver-vos nas filas ao lado: We are electronic performers.) E entretanto alguém, ali do canto, começa a soprar bolinhas de sabão que vêm na velocidade possível. Eu vou-me desviando. Não muito depressa. Não muito devagar. Algumas explodem sem me chegar a tocar mas nascem logo outras novas. Continuo a ouvir. Gosto especialmente das três batidinhas rápidas em sequência. A mão imagina-se a agarrar uma baqueta e simula a percussão. O gozo que isto dá. A sala enche-se de pequenas bolas que reluzem à passagem da luz. Tantas cores. E o que eu gosto de cores. E o que eu gosto de música. Ao primeiro minuto e doze segundos esta cumpre a sua aceleração. Olhamos a reparar nos passos dos outros, o ritmo repete, insiste, as teclas aparecem no lugar das bolinhas porque ocupam todo o espaço onde nos devemos concentrar e ao minuto e cinquenta e um “We are the sincronizers/ Send messages through time code/ Midi clock rings in my mind/ Machines gave me some freedom/ Synthesizers gave me some wings/ They drop me through twelve bit samplers/ We are electronic performers/ We are electronics” e embalamos outra vez a anca e soltamos o pescoço. A orquestra obriga a fecharmos os olhos para sentirmos. E eu fecho os meus olhos. Gosto de não saber se já amanheceu lá fora e, de olhos fechados, não posso continuar a escrever.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

I'm Waiting Here

Será “a” utopia? Sonhar. Acreditar. E pensar que às vezes achamos que sabemos sobre o melhor caminho. Na verdade, não sabemos, apenas intuimos porque sentimos. A estrada continua em frente. Os horizontes vão-se alterando se repararmos nos lados: um grupo de ovelhas num passado que ali permanece; vacas deitadas ao sol; as árvores por tantos anos de pé; mas a vida ainda assim, sempre em frente. A noite vem retirar alguma definição e a estrada continua até que a placa onde se lê “Agora” surge no caminho para nos despertar. Nada tão racional ou matemático como aprenderamos antes. Porque há muitas casualidades que não são ensinadas. Vicissitudes. E pensar que podiamos prever. Pudessemos e o brilho do momento em manchinhas nebulosas fictícias. Não estava escrito. Não havia forma de saber. Vai tudo acontecendo. E continua. Mas não existe onde descobrir sobre o que aí vem. Só mais tarde. Quando vem e vemos. Os livros técnicos a tentar explicar tudo mas eu embrenhada em poemas e sonhos. A ver respostas no vento, nas aves, na música, no atropelo das coincidências mesmo sabendo que, em regra, a poesia é considerada como uma forma literária de pouca comunicação. Penso nisto: há uma certa elasticidade nesta noção para os outros que não provêm pela via da regra; o Hérberto Hélder a dizer: “Ah! Um poema feito sobretudo de fogo forte e silêncio” e o Al Berto a dizer no Incêndio “se (...) a sombra duma cidade surgir na cera do soalho e do tecto cair uma chuva brilhante contínua e miudinha - não te assustes”. E eu nunca me assusto. Mas quem escolhe a linguagem é o coração. E sem nos olharmos de frente não podemos contar tudo. Vives as tuas coisas. Vivo as minhas. E vou esperando aqui que possamos fazer dos nossos episódios um só livro. Havemos de juntar as nossas comédias e os nossos dramas e assistir juntos à nossa vida. Apesar dos oito mil quilómetros nos separarem ainda. A saudade diz-me dos oito mil quilómetros porque hoje fazes anos. A estrada continua em frente. Experimento olhar o céu. Passam aviõezinhos que dizem do pouco tempo dos nossos dedos se encontrarem. Sorrio. E espero por ti. 


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Mille Baci

Há músicas tão bonitas. Ouço em repeat. Mas quando as esgoto aparece outra a seguir. Nova. A cativar-me sobremaneira. Não me canso desta forma de arte. O conceito é indefinível. Muito mais do que comunicação de sons. Um bálsamo para os sentidos. Uma organização conjunta de sons e de intervalos. Muitas vezes uma companhia que vale tanto mais quanto melhor se sente uma música. Há aquelas que nos apanham irremediavelmente. Outras acenam durante seis, sete, dez dias e viram a esquina. Todos temos músicas bonitas que gostamos mais de ouvir. (Até parece mentira que algo não palpável, da família do ruído, nos cative e manipule ao ponto da auto-exaustão propositada. Como abrir um pacote de gomas e só parar na última.) Mas é especialmente bom quando se partilha uma música. “Toma.” E vem uma música de presente. “Já ouviste isto?” E ainda por desembrulhar. “Conheces isto?” E ainda por saber. "Acho que vais gostar." E o que eu gosto destas prendas. É a volúpia da ansiedade antecipatória. Pensar se já ouvi. Se não ouvi. Ter a certeza (antes) que vou gostar. Porque quem dá também já adivinha que vou gostar. Então eu ouço. E gosto. É que desde pequena que gosto de música e destas partilhas. Antigamente também eram outras coisas. Balões de ar. Eu sorria. Ainda hoje me custa largar um balão mas também gosto de ficar a vê-lo subir. Até que deixo de o ver. E quando ouço exaustivamente uma música também sinto que a liberto. Deixa de ser completamente minha. Esvazio o lugar da minha cabeça onde retenho as coisas que gosto muito. No entanto, não me canso. Não me canso da música. Sei que há sempre tanto por descobrir. Há músicas tão bonitas que digo para mim: “Adoro ouvir isto...”. E volto a ouvir. Ouço em repeat. Mas quando as esgoto aparece outra a seguir. Nova. E só me apetece agradecer. 


Like Father Like Son : Explicação para o post anterior

Universos Paralelos vs. O meu pedido de desculpas a E:










Nota: A teoria dos Universos Paralelos só surge na parte IV e "explica" a simultaneidade vida/morte do gato de Schrödinger. Brilliant Mr. E III!

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Rags to Rags

Às vezes, sente-se o batimento cardíaco de uma música. Esta é velhinha mas eu gosto de ouvir. 


Nem sempre é preciso analisar-se a letra de uma canção para uma música nos conquistar e, até acontece, a partir de um único gole, cair-nos toda uma banda no goto. São as primeiras impressões e as respostas afectivas que damos a cada coisa. Quer se queira quer não, há algo inexplicável nas empatias. A coisa acontece por si mesma. Funciona de rajada e apesar de, também nesta questão, podermos tentar atribuir responsabilidade ao tempo, o começo de tudo não se pode apagar. Mesmo assim, se esta canção fosse minha eu apagava-lhe a letra por inteiro e colocava lá outra, ou, quando muito, limitar-me-ia a deixar-lhe intacta a primeira linha do refrão: “Rags to rags and rust to rust”, que sempre é melhor do que “Ashes to ashes and dust to dust” ou, não tão mórbido. E "trapos para trapos" não deixa de ser uma proposta aliciante, se pudessemos partir daí, soa literalmente como pano para mangas de um texto musical. Mas, apesar do desafio, neste caso, também tenho a reiterar que valem a pena os quase vinte e sete segundos introdutórios para se ouvir o coração desta música (retirada do "Beautiful Freak"), pelo menos, no meu caso, terá sido o suficiente para comprar o CD em 1996. E, tanto por tão pouco, dá que pensar.  Sorry Mr. E!... De facto, na altura, ainda não havia no mercado cartolas inspiradoras deste calibre...

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

De Vez Em Quando

Estarias bem
nada mais e que isso bastasse:
O tempo e por ele afora
que sonhe e persiga
(nenhum dia menos que outrora)

Ainda sem forma o vento
que vente, que siga
(absolutamente
cheio de vida, e se visse de fora)
porque em algum momento
a cidade em chamas devora
a noite escondida.

Lisboa, 19 de Agosto de 2013


domingo, 18 de agosto de 2013

L l a s a d e S e l a

Quando penso em coleccionismo, apercebo-me que as coisas que eu gosto mesmo de guardar têm muito valor sentimental mas valem pouco nos mercados, por isso, é com muita pena minha que não está aqui o bilhete de um concerto irrepetível onde tive o enorme privilégio de estar, há quase uma década, nos Jardins do Palácio de Cristal.

via Thumblr
Filha de um casal de hippies radicais (ele mexicano, ela norte-americana), nasce em 1972 a cantora que até aos 5 meses de idade não teve nome, altura em que a mãe despertada pela leitura do 'Libro Tibetano de la Vida y la Muerte'  achando-lhe feições parecidas com o rosto dos tibetanos, longe de compreender que a filha se iria identificar com a filosofia e religião budista do Tibete, decidiu dar-lhe o nome da capital: Lhasa. Até aos 13 anos nunca tinha ido à escola porque vivia no regime nómada adoptado em família, porém, Lhasa de Sela e as três irmãs liam todo o dia, não tinham televisão e ocupavam-se a imaginar, a escrever e a tocar música. Em entrevistas demonstrou sempre grande humildade e gratidão aos pais por lhe terem proporcionado uma infância invulgar à margem de sistemas instituídos, numa proximidade mais fiel à magia da vida, o que a fez tornar-se independente e única. Editou o primeiro álbum aos 24 anos e a morte levou-a aos 37. “La Llorona” (1997) é um dos meus álbuns preferidos de sempre. Contudo, o tema que intitula o álbum (e que Lhasa não gravou) faz parte das músicas tradicionais mexicanas e foi cantado por ela muitas vezes em concertos. La Llorona foi também um dos maiores sucessos de Chavela Vargas, aliás foi por esta interpretado no filme Frida (de Julie Taymor, em 2002), mas foi a Lhasa quem (apesar do seu bilhete de identidade canadiano) me beliscou maior curiosidade pelo México da Frida Kahlo e do Rivera.


A primeira canção do disco, De Cara A La Pared, é a chuva e os ritmos quentes latino-americanos e a chuva na dimensão de Lhasa é uma cortina de choro divino. Chora de frente para a parede, e a cidade apaga-se. Quando sonha de frente para a parede, a cidade arde. É um suspiro de saudade e de amor. E nesse misto de sentimento reza e termina por dizer que morre, deixando-se levar pelo gerúndio que a canção encerra. A música da Lhasa trás muita nostalgia mas é carnavalesca e é belíssima. Por Eso Me Quedo, é a quarta faixa e diz assim: "Asi ando yo/ Cantando aun mis penas/ queriendo que me ames/ para mi soledad. / Y hasta que yo te quiera/ Que quieres que te cante?". Envolvente e sofrida a canção é uma declaração de entrega, até que ela o deseje. Escreveu a sétima faixa, Floricanto, em conjunto com o pai, baseando-se em poemas sobre o conflito que o coração passa por amar tanto a vida sabendo que nada nem ninguém é imortal. A seguinte, Desdeñosa, é uma música tradicional do México. A sua interpretação, os arranjos que lhe fez e a força impressa na forma como verbaliza a letra edifica um momento poderosíssimo de auto-entrega ao sentimento de pesar de um desgosto de amor: "No necessito amar, no necessito/ Yo comprendo que amar es una pena/ Y que una pena de amor es infinito". El Pájaro foi escrito por ela e fala de abismo e de paixão. Próprio de quem vive intensamente a vida e não se contém com a experiência mediana das emoções.

Aparentemente, a lacuna escolar não se evidenciou pela vida que escolheu na música. Lhasa falava fluentemente em espanhol, inglês, francês e, apaixonada pelo Fado de Amália, chegou a cantar em português Meu Amor, Meu Amor, e também em arménio, tchetcheno e russo. Achava que em cada idioma a sua voz se alterava e vivia fascinada com as palavras e com a possibilidade de, em cada língua que cantava, fazer sair da sua boca milhares de anos de história. Sentia vergonha por não conhecer o idioma de um país que visitasse onde para conseguir comunicar tivessem de ser as pessoas dessas terras a traduzir-lhe a palavra falada, e, sempre disposta a aprender, esforçava-se genuinamente por respeitá-las tentando compreendê-las nas suas línguas nativas. Era portanto uma apátrida em relação aos países e aos idiomas, considerava-se como uma feliz abelha voando de flor em flor e colhendo o melhor em cada lado. E porque a música não morre assenta-lhe bem o rótulo de cantora do mundo dando sentido ao título do álbum de 2003, "The Living Road", de onde se extrai o maravilhoso Soon This Place Will Be Too Small


Também este álbum merece todo ser ouvido, escutado, apreciado, louvado. Na oitava faixa, Small Song, eu encontro uma versão própria da House of The Rising Sun (The Animals). Sempre desconcertante e fiel ao seu estilo único, lança em 2009 aquele que foi o último álbum com direito ao seu nome próprio. Rising é a segunda faixa, e uma esplendorosa canção:



Seis anos intercalaram os seus trabalhos porque a certa altura decide aproximar-se das irmãs que haviam formado um pequeno circo onde Lhasa se incluiu, dedicando-se a trabalhos performativos aliados ao canto. Vivia feliz em família. Porque apesar das letras serem soturnas Lhasa era muito feliz com a sua música, e penso que só sabia ser assim. Neste Love Came Here ao vivo (terceiro tema do disco) podemos vê-la chorar a rir. Ou assistir a um mini-concerto intimista com o Patrick Watson na interpretação conjunta de Between the Bars (Elliott Smith) e há muito mais para descobrir sobre ela em cada canção. 

Só uma pessoa muito especial para sair a meio da festa de ano novo, pois Lhasa desapareceu da terra em Montreal no dia 1 de Janeiro de 2010. Os seus últimos concertos aconteceram na Islândia, e eu não consigo imaginar lugar mais perfeito para despedidas. Quando penso na melhor música do mundo e em criaturas dotadas de uma sensibilidade mais elevada e com um estado de vida extra-terreno, lembro-me da Islândia. Parece distante e fria mas está já ali quando fechamos os olhos para sonhar. As memórias pertencem ao passado, os sonhos representam o futuro, e a vida é tão efémera que fico a pensar se haverá melhor colecção para fazermos na vida que não seja somar e aproveitar cada segundo que temos. Tic. Tac.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Smells Like Fresh Tangerines

Se alguém decide fazer uma “versão” escrita da obra de um escritor isso é plágio ou então, apanhando levemente uma ideia, inventa-se uma nova estória para contar e passam a ser obras distintas. Fazer a versão de um texto cuidando de respeitar os seus direitos autorais cabe apenas às editoras onde compete transformá-lo por fora: mudar-lhe o tipo de letra, aumentar ou reduzi-la, alinhar o texto, alterar o espaçamento entre linhas, todavia, no final, vamos ler exactamente a mesma coisa. Por outro lado, vamos encontrar cenários díspares fruto da leitura, independentemente da estética impressa pelas palavras. Cada estória pode ser uma projecção diferente dependendo da compreensão de quem a lê e de que maneira a sente. Aliás, cada um coloca a sua consciência no lugar dos olhos. Por isso, reinterpretar uma estória para as massas passa por metamorfoseá-la sob a forma de outra arte, pode ser (por exemplo) a sua reprodução em filme. Nesse caso, os cenários são partilhados mas as coisas são distintas porque esquecendo a palavra escrita somos formatados para uma só interpretação – a filmada. E, em geral, baseamo-nos muito no que vemos e a margem para a invenção não é grande. Nem na arquitectura é possível partir do vazio para criar, ficamos condicionados pelas limitações de construção da engenharia e do tempo e, se olharmos da lua, (apetece dizer que) a vida parece estar constantemente balizada pela realidade. Projectar e conceber à risca os espaços sonhados seria como habitar as Cidades Invisíveis do Calvino. Só com os pés assentes no campo da música é possível abanar um limoeiro carregadinho de limões e dele colher tangerinas: na verdade, uma cover consegue muitas vezes, dependendo dos gostos, superar a versão original de uma canção.  


Além desta magnífica interpretação da Tori Amos (antagónica à abordagem de Lana Del Rey para o Heart Shaped Box), eu gosto especialmente de ouvir a versão de Stormbringer do Beck (relativamente à original de John Martyn) e a versão de Heartbeats (The Knife) interpretada pelo sueco José González:



Uma cover é uma indumentária nova à maneira do espírito que a veste. Na passerelle das canções, sempre que a voz muda (e com ela o estilo, os instrumentos, a própria cadência da fonte) são despertados necessariamente novos caminhos que podemos escolher seguir. Uma música pode tornar-se sensualíssima como escolheria (de entre milhares de versões de G. Gershwin) o Summertime vestido pelo trip-hop dos Morcheeba:


Existem inúmeros exemplos de covers que conquistaram lugares do pódio, destronando as versões originais (aqui: Top 10 Cover Songs - watchmojo.com). Nos tempos que correm, estão sempre a surgir novos exemplos que, mesmo não correspondendo a uma predilecção massificada, deleitam os fãs como a versão dos Linkin Park do Rolling In The Deep (Adele), ainda a interpretação de Landslide (Fleetwood Mac) pelo Antony Hegarty (depois da inesquecível versão dos Smashing Pumpkins), e a crítica tem sido generosa com outros, cujas carreiras estão a começar, como é o caso da Birdy depois do seu Skinny Love (Bon Iver) ou o fôlego novo do Wicked Game (Chris Isaak) pela voz da Beck Wood (Coves). Há ainda quem tenha a proeza de tornar quase irreconhecível o original como os Punch Brothers fizeram neste amagicado Kid A (Radiohead)mas muitas outras covers primam pela genialidade, como Somebody That I Used to Know (Gotye) dos Walk Off The Earth que, apesar da criatividade, não chega a todos, e o mais engraçado é que ainda se conseguiu fazer mais desta música numa espécie de remistura de várias interpretações (que até inclui a anterior): e esta é a - mais ou menos anónima - cover das covers:



No meio de tanto talento, continuam a cair tangerinas maduras do limoeiro mas já não tenho espaço para todas as etiquetas. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

E d w a r d S h a r p e a n d t h e M a g n e t i c Z e r o s

Ladies and gentlemen... from Los Angeles, California: The




Desta vez "As Portas" que aqui se abrem são outras. Em vez do Rock dos 60´s emerge um Indie exuberante com ecos psicadélicos. Edward Sharpe é um messias que o cantautor Alexander Ebert criou como personagem principal de uma estória com mais uma dezena de elementos, e os zeros magnéticos são missangas coloridas que vêm cercar o público nas correntes criadas pela música que produzem. O Sol brilha e a luz da esperança surge reflectida em formato musical através de rios que fluem em frente e preces entoadas nas letras. Há também corações e abraços. Há liberdade e, às vezes, a chuva também toca porque no seio do deserto quente antevê-se um grande arco-íris.

Em 2009 é editado “Up from Below” e, com ele, o muito aclamado Home onde encontramos semelhanças com os Of Monsters And Men, The Polyphonic Spree, entre outros. O assobio e a correnteza da música levam-nos a uma bosque mágico entre diálogos de alegria, é o caminho feliz do regresso a casa. O refrão sumariza um post anterior no momento em que ouvimos que “Home is whenever I'm with you”. Desert Song também saiu destacada neste álbum. Um óasis na paisagem sonora que se adivinha vasta. Há um bonito momento acústico em Brother, um ambiente ainda mais hippie em Jade, e um despertar revigorante em 40 Day Dream. Nada mau para começar.

Em 2011 sai “Alexander”, álbum a solo de referência obrigatória onde Alex encontra a verdade (Truth) - possivelmente, sob a influência dos Jefferson Airplane em Somebody to Love -, e a paz na faixa Glimpses, uma espécie de pico épico, misto de um Imagine moderno com Falling de Angelo Badalamenti e David Lynch (Twin Peaks):


Segue-se “Here” em 2012. Man on Fire principia com um coro ainda no meio do deserto e convida a dançar entre os múltiplos instrumentos que vão crescendo ao longo da faixa. Manteve-se ali o espírito nómada desta banda que, sem querer passar despercebida, segue de carruagem ao longo da rua com toda a parafernália de instrumentos e músicos. Dear Believer inspira um optimista futuro, desde que a sorte cumpra o seu papel de sorrir aos sonhadores: “Paradise, has its hunter/ Call me blind, call me fool/ I don't mind chasing thunder/ I say reaching for Heaven is what I'm on Earth to do”.

O último álbum da banda (self-titled) saiu no mês passado. E, após várias actuações ao vivo no Late Night with David Letterman, há duas semanas interpretaram uma das novas músicas que tem por título o que, com mais ou menos ironia, muito se ouve em todo o lado mas que pela voz de Alex e Jade Castrinos não parece encontrar sentido: Life is hard.


Mas afinal de que vida nos vêm falar? Eles esclarecem sempre com a verdade: This Life. Os Edward Sharpe and the Magnetic Zeros desfilam ao ritmo de uma galáxia policromática que coexiste com a Terra. Vale a pena ouvi-los transcender os dois mundos. Please press play to repeat and close the doors.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

The Airplane Flies High (Turns Left, Looks Right)

Quando reparamos a sério no comportamento humano, podemos afirmar que não é a imagem física nem a simpatia e muito menos a roupa que cativa os outros. As mãos podem despertar a atenção. O olhar conta muito desde que nos envolva. Mas a beleza que me fascina não se vê porque aparece sobretudo de dentro. E o que cada um viveu e experienciou em comum traduz-se na ponte que o liga aos outros. A inteligência potencia mais verdadeiramente as afinidades. Porém, é extremamente importante o sorriso. E o poder que uma expressão facial tem é um mistério. 


Apesar disso, quando é que uma pessoa diz que fica “desconectada” pelo sorriso da outra? Nesta faixa, o Billy fala, canta e grita-o. Sounds right, looks right.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

To Build a Home

Construir uma casa tem muito pouco de engenharia. É claro que há o projecto, reuniões, ideias e prazos para cumprir. Mais os materiais envolvidos: tijolo, cimento, azulejos, pastilha, a madeira dos móveis, dos rodapés. Grandes máquinas em acção. Barulho. Muito barulho. Há armaduras em ferro para receber o betão. Lajes que os pilares hão-de suportar anos a fio. As paredes e, dentro das paredes, canalizações e circuitos eléctricos. Há a bancada da cozinha, electrodomésticos, as louças sanitárias. Pormenores relacionados com a qualidade: de preferência um bom isolamento térmico, bons acabamentos, remates finais bem feitos. Depois temos a cor certa das paredes mesmo que possamos pintar por cima ou escolher um papel bonito. No fim da obra deixam-nos tudo limpinho. Ainda com algum pó por assentar. Então habitamos essa casa e a verdadeira construção recomeça. Tudo o que colocar lá dentro. E o lugar certo das coisas mesmo que cada coisa mude muitas vezes de sítio. A mobília mais pesada até ao resto. Os copos, os pratos, os talheres. A outra loiça que não cabe em nenhum lugar. Os candeeiros e a sua condição vertical. A textura macia dos lençóis. O tabuleiro com abas de levar à cama mesmo que se feche sem querer e o sumo cubra a colcha de laranja. O espaço no armário. Até o lugar dos sapatos que se calçam uma vez por ano. O espelho que nos duplica o corpo inteiro. As plantas mais as suas exigências mudas. As recordações trazidas das viagens. Os livros sublinhados a lápis, os discos impossíveis de ordenar. As cadeiras. As almofadas das cadeiras. A posição dos quadros e os quadros das paisagens com as molduras das janelas. As visitas obrigatórias da chuva. A televisão apagada num canto da sala. A música normalmente a tocar. A desarrumação organizada da minha secretária mesmo que eu goste de tudo no lugar. As portas e as incontáveis vezes que as abrimos e fechamos. E todas as manhãs a última peça a vestir a ficar gravada nas coisas. Mais tarde, o aroma do jantar a entranhar-se. E a casa vai-se alterando com o tempo. O tapete afiado pelo gato. A marca dos corpos no sofá. As cores levadas pelo Sol. Um silêncio a instalar-se melhor. Também vão aparecer rachadelas na parede e humidade no tecto. Faz parte. E vivemos bem assim. Mas um dia vem uma vontade tremenda de fazer pelo outro e, onde quer que estivermos, nunca mais nos sentimos sozinhos porque enfim chegamos a casa.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

When You Wish Upon a Star


(numa noite de Dezembro, 
um amigo ofereceu-me duas coisas:
este céu e uma dívida eterna)

sábado, 10 de agosto de 2013

Let There Be Light

Sentamo-nos no chão do Terreiro do Paço em frente à fachada Norte da Rua Augusta e começamos a viagem no tempo com O Cuboespectáculo de Video Mapping 3D começou ontem e vai continuar A nossa História aparece ampliada sob a forma de um mural virtual. Imagens carregadas de movimento. Viriato em luta contra os Romanos, a batalha de Aljubarota, o terramoto de 1755, a náu que promete levar-nos à India, os grandes incêndios e o Marquês de Pombal de regresso para reerguer a cidade. 


Tudo isto ao vivo à distância de poucos passos. E o público aplaude. As noites estão quentes mas muito menos escuras. Todos os motivos são bons para colorir Lisboa mas, especialmente, esta semana: Fiat Lux.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Lá de fora, vêem-se bem os sinais Urbanos

via visibleearth.nasa.gov

Noite e dia a grande máquina avança. E as engrenagens são mecanismos simples, geralmente circulares, dentados, que funcionam aos pares. Basicamente, os dentes de uma roda encaixam nos espaços que intercalam os dentes da outra roda e o movimento acciona-se. É um facto que as rodas dentadas imprimem acção. Falta saber para onde seguiremos.

Ontem fechou a Livraria Sá da Costa, hoje morreu Urbano Tavares Rodrigues. Bem sei que estava velhinho mas, nesta hora ainda viva, pelo andar das engrenagens, parece-me que levamos gerações de atraso em tantas coisas que, por vezes, custa-me antever os bons sinais de amanhã. Ainda a propósito de tudo isto, os Múm regressaram com deambulações sonoras mais electrónicas e nada negligenciáveis: dizem que “todos somos rodas dentadas (toothwheels) na máquina da morte”. 


O curioso é que, por altura da edição do novo álbum “Smilewound”, anunciaram que o seu lançamento em Setembro também ocorrerá por meio de cassete. Depois do regresso ao vinyl, queremos recuperar ainda mais o passado, atrasar o futuro, ou, haverá sempre um movimento em cada sentido a tentar anular-se? O mundo de faz-de-conta pode ficar parado mas o outro é demasiado sério para se deixar para trás.

This door will never open
Why would it
We never tried to
Exterminating angel
The black hold of beauty
In a world of complete make-believe
There’s a chance to practice what we preach
In a world of complete make-believe
There’s a chance to practice what we preach
Throw the hammer
Burn the gasoline 
We’re all toothwheels
In the death machine.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Erik Satie e a Liberdade

Também há certas gaivotas que vivem em todos nós.




Em vez de Be de Neil Diamond, as Gymnopédies de Erik Satie podiam pertencer à banda sonora da estória de Fernão Capelo Gaivota. Aqui esquecemo-nos de pensar no grasnar agudo que produzem em terra, exactamente o mesmo ruído que ouvimos na simples presença da palavra “gaivota”. A narrativa é acerca de outra espécie diferente: menos previsível, dotada de coragem mas frágil. E, sem demoras, vai-se dirigindo um foco de luz a essa ave em particular. O piano rasga o silêncio e serve de suporte. As sensações são muitas. Entramos na estória através do invisível braço gigante que parece um bico forte de pássaro, misturamos a textura da pele, das penas e até das estações do ano, no entanto, talvez seja Primavera no início da obra de Richard Bach porque “Era de manhã e o novo Sol cintilava nas rugas de um mar calmo.” Apresentava-se uma ave irrequieta que não se conformava com a sorte das outras. E apetece logo ir espreitar-lhe de muito perto as pupilazinhas pretas e tentar ver para dentro, mas o piano já tinha começado a ouvir-se.  


Parte I : Gymnopédie Nº 1 
Esta composição vaticina o gnosticismo preserverante de um espírito desalinhado. Há nuances de melancolia porque tudo o que é mesmo bonito raspa sempre o coração. Podia ser uma manhã qualquer de um dia qualquer mas Fernão Capelo não era uma gaivota vulgar, por isso, o dia é exactamente aquele dia que lhe pertence e que tem de ser contado. “Ele” queria aprender coisas que as outras aves não desejavam saber. Interessava-se por voar mais alto, a maior velocidade e, outras vezes, mais devagar somente pelo gosto da ventura e, por isso, é banido do bando. A música de Satie que eu escolheria para encostar a esta narrativa espelha aquela gaivota destemida em acrobacias que se torna solitária. Tenta subir e voar, não consegue e volta a tentar. O compasso musical é impestuoso como a escalada da ave aos céus. O estado da ave é claramente invulgar. Quer ir mais além. Há nuvens. Sente-se o vento. Mas a chuva nunca vem. (A chuva dos livros traz sempre coisas tristes e esta estória é de esperança e alegria.) O tempo vai passando e os pequenos olhos não encontram presenças humanas. Em todo o caso, se calhar, lá em baixo (onde deve haver o mar) passa uma traineira com gente mas, provavelmente, não há ninguém. De repente a sorte muda e Fernão Capelo encontra um companheiro que o leva a ascender a outro lugar onde se sente compreendido.

Parte II : Gymnopédie Nº 2 
“Então o paraíso é isto” pensou. Agora todas as gaivotas estão em comunhão com a nossa. O prazer de voar é partilhado. O divino parece andar a poucos metros daquelas altitudes. São felizes por estar livres, iguais a si mesmas. Quebrando os próprios limites num lugar novo sem espaço e sem tempo. Porém, o coração continua fechado. "Fernão, continua a trabalhar no amor", dizia-lhe o mestre tentando fazê-lo perceber que a liberdade só existe no mesmo binómio que a compaixão. O seu sucesso seria tornar-se ele próprio professor e para isso tem de retornar ao seu antigo bando e espalhar esta sabedoria fruto da sua experiência. 

Parte III : Gymnopédie Nº 3 
Foi esse o novo e grande ensinamento que o fez observador do sítio original. “Fernão voou em círculo, devagar...“ e encontrou vários pupílos interessados na arte de voar pelo prazer de voar. Finalmente, só a capacidade de perdoar que é sinónima de libertação das regras o faz verdadeiramente livre. O caminho para a perfeição são os pensamentos que o deixam repousar suspenso no ar. E a liberdade é quando só o coração comanda. 

Erik Satie continuou a compor e as Gnossiennes vieram tirar a liberdade a muitas gaivotas que, como eu, tiveram de parar de voar para ouvir. 


Ainda hoje, quando muito, posso sentar-me na tábua que as cordas seguram da árvore, fechar os olhos e tirar os pés do chão porque sei que alguém me vai empurrar a seguir. 

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Vejam bem

"que não há só gaivotas em terra quando um homem se põe a pensar". Blackbird is watching.


Fez-me sentido mas, alternativamente, numa homenagem mais indirecta, o mesmo post poderia conter escrito: 

Canção de Embalar. Street Lullaby.

Forbidden Colours

Sentimos, pensamos e com tantas certezas deliberamos também o que achamos. Escolhemos o bom, afastamos o vil, cercamo-nos de quem nos protege e de quem dominamos. Agarramo-nos ao desejo. Beijamos auroras mil. Fazemos o verbo inteiro que inventamos. Acreditamos no vento e, a seguir, baralhamos e voltamos a partir, errantes. Reinventamos cores enquanto dançamos e, no final, sabemos que somos pálpebras gigantes.

E nisto, o mundo redondo, tremendo, meio vazio de dia e meio cheio de noite. Ao longe suspenso por um fio de silêncio. Lá dentro, forjando os destinos humanos e, a cada novo instante, rindo de todos tão alto. 

(my life believes)