terça-feira, 9 de julho de 2013

C o c o R o s i e

Foi há uma década que as norte-americanas irmãs Casady, se reencontraram em Paris e decidiram formar as CocoRosie. Inspiradoras enquanto fontes de criação, adoptaram o experimentalismo com elementos raros e é através da simplicidade que reconhecemos as escolhas de alguns dos objectos que produzem som: campainhas de bicicleta; gravadores; apitos; e até, muitas vezes, o som de animais à distância do botão de aparelhos musicais infantis. É um trabalho sério que parece derivar das suas brincadeiras. Num estilo freak folk e electrónico, estas irmãs não pretendem ser nada além delas próprias, o que as faz muito especiais.  
Foto de CocoRosie

Sierra (Rosie) demonstrou desde logo grande habilidade no uso de harpa, guitarra e piano sendo o seu maior trunfo a colocação da voz, depois de anos de estudo de ópera no conservatório parisiense. Bianca (Coco), mais nova três anos, munida de vocais infantis e formação para escrever letras. E, paralelamente, ambas utilizam os tais objectos estranhos – muitas vezes brinquedos - numa sonoridade conjunta de contrastes e invulgaridade. Somos apanhados por uma atmosfera surrealista de coisas várias que à primeira vista poderia pensar-se não combinarem. 

Ao contrário de muitas, esta é o género de banda que deve ver-se ao vivo. Good Friday pertence ao álbum de estreia de 2004, “La Maison de Mon Rêve” e é uma pequena amostra disso. Terrible Angels introduziu-as no campo musical através de uma letra simples, uma melodia pouco veloz, duas vozes bem acertadas e aqueles sons estranhos – podiamos tentar adivinhar que elementos eram aqueles mas, o sortido de sons inobserváveis das CocoRosie é o código genético do seu trabalho. Em Candy Land éramos embalados por uma harpa, o canto lírico de Rosie crescia e as brincadeiras eram evidentes: a canção é tão suave que somos transportados para um quarto de meninas onde se pressente um menino (Bianca, a irmã maria-rapaz) que pretende chamar à atenção através de uma espécie de pista automóvel  que se ouve atrás. Ou então, seriam as engrenagens mecânicas de uma fábrica de doces, a emitir aqueles sons. Não percebemos bem. É o jogo da adivinha desde que cheguemos a acordo na resposta final porque a fórmula é secreta. Alguma inocência de principiante poderia antecipar uma revolução de estilo para os álbuns que se seguiriam.

Em “Noah’s Ark” no ano seguinte, somos presenteados com a presença de Antony Hegarty na faixa Beautiful Boyz


Coco faz lembrar Björk na similar falta de esforço para se debruçar no seu timbre infantil. Ao longo do álbum encontramos um pouco de tudo: há um gato a miar; um acordeão ligeiramente acordado; animais a comer; um relógio que dá horas; um telefone a tocar; xilofones; um cavalo a relinchar e parece que estamos dentro de uma quinta. Podia ser tudo isto mas falta mencionar Sierra, pois mantém-se o monstro lírico, que transforma canções de embalar em verdadeiras epifanias. Quando ouvimos CocoRosie cada um retira o melhor para si. Em Tekno Love Song, parece-me que quem recita a letra da canção é Philip Seymour Hoffman vestido de Capote (o mesmo acontece dois anos depois durante os cinquenta segundos de Girl and the Geese) e as primeiras notas do tema confundem-se com o prelúdio da segunda parte de Pompidou dos Portico Quartet. Depois Coco sobrepõe-se e o resultado é irresistível  Em Brazilian Song há novas especiarias trazidas por Devendra Banhart, e é como se ao longe um grupo de índios convidasse o Sol a mudar a sua cor mantendo-se as texturas bizarras em consonância com o restante trabalho. Em Oh Sailor, há uma ânsia misteriosa de sobrevivência e o xilofone prevalece quando a voz de Rosie inunda aquele território só delas, impossível de confundir.

Com “The Adventures Of Ghosthorse And Stillborn” em 2007, chegamos ao Japan


A vida torna-se uma montanha russa e, mesmo quando chegamos ao ponto mais alto, Rosie impõe-se com os seus vocais numa espécie de evocação religiosa. A sofisticação da música contrapõe-se com os guizinhos que agita nas mãos, pulando depois no palco e cantando de forma infantil. É o puro recreio. 


Em Animals trazem borboletas, animais e ruídos de alvorada. Bianca destila um rap psicadélico saído de uma floresta mágica que é uma experiência que apetece ouvir mais. Nas gravações de concerto podemos encontrar brinquedos de bebé e outros instrumentos levados pelas CocoRosie à descoberta das suas algibeiras quiméricas. 



A letra deste tema expõe a vulnerabilidade de Bianca numa honesta declaração de solidão durante os tempos passados em comunhão com a Natureza, confessando o seu espírito frágil, incompreendido e alinhado com os animais.  A música não chega a ser triste porque a letra acrescenta-se emocional, porém, tremendamente verdadeira como uma memória arrumada dentro do coração. Raphael é o som extraído de uma imagem. Assim parece mas, desta vez, o relato de Bianca sugere uma experiência adolescente como uma má memória. Miracle descortina a sátira das manas relativamente a um casal poder viver feliz para sempre e é neste tema que Bianca parece atracar-se a Björk em The Anchor Song.


Em 2010, sai o álbum “Grey Oceans”, Lemonade parece ensombrar CocoRosie com os vocais eternamente infantis de Bianca e o piano dos Evanescence. Em The Moon Asked The Crow podia ser Erik Satie ao piano. Em R.I.P. Burn Face mais fácil seria recategorizá-las num género de música do mundo. 


Mas as manas estão finalmente de volta com “Tales of a Grass Widow”. O quinto álbum de longa duração. Há o luto da viuvez na indumentária mas a música continua orgânica e não traz surpresas. Parece mais uma tigela retirada da poção que as irmãs confeccionam com ingredientes só delas que sabem manter imaculados: o teatro, as vozes em domínio, os elementos pictóricos da natureza. Gravediggress é a primeira prova que podemos experimentar:


Em Tearz for Animals a questão "do you have love for humankind?" faz-se ecoar, apontando  para a nossa reflexão conjunta. Este tema conta com a participação de Antony Hegarty, assim como Poison. Nem isso mudou. Apetece pensar que ainda não é tempo de crescer porque os amigos são os mesmos. Apetece ainda dizer que o universo atmosférico do imaginário Casady é um lugar seguro feito de bibes, de tranças, de brinquedos e de emoções, onde parece não haver mais gente a não ser as crianças.

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