quarta-feira, 31 de julho de 2013

Horn Please

Foi algures por ali que aconteceu tudo até ser hoje.

Chegamos onde nunca prevíramos estar. O lugar onde é preciso em cambalhotas encurvar perspectivas. Uma espécie de espaço onde, antes, ao fundo, havia uma linha. Estamos aqui, num palco de paredes que se sucedem. O pano não desce, não sobe, e ninguém disse que é bom ficar com os pés no chão.

Parece que aguardamos estrelas vivificadas diferentes das que nos alumiam. Mas de dia não podemos dançar. Achamos que não podemos e, de repente, a noite já caiu.

Mas há Lisboa e o mundo inteiro a seguir. Ouço o barulho do trânsito e vejo-te entre os transeuntes. Também te alenta o sorriso que alguém dá e não esperavas. Sabemos que há tantas coisas feitas de giz que não estão escritas nos muros das casas. Há muitas coisas que as palavras não falam e as tintas não pintam. Não sabemos tudo. Não sabemos nada do que está por vir. Há uma algibeira de sonhos dentro da minha mão. E é com ela que agarro a tua.

(E, de repente, o dia nasce outra vez, inteiro,
só para nós.)



terça-feira, 30 de julho de 2013

Foi um dia muito quente como no deserto

… “So I walked into the haze”…

Estar-se vivo. Movimentos. Expressões. O riso a somá-las. Uma imensa energia. É o mundo a girar. Parece que vemos. Sente-se a piada perene das coisas breves. E, logo a seguir, nasce empolado o que ainda não conhecemos. E que nos importa o resto? 

… “It's future rust and it's future dust”…

Amanhã vamos perceber como é tudo ainda maior. A falácia das construções feitas de nadas. Parece que vemos até mais abstractas noções. Continuaremos tocados pela magia do que está por vir. E continuaremos a rir. Mas e que nos importa o resto?

…“Leave it all down here”….

A música enche o ar e não o satura. É bom de sentir. Sabemos o mar em palmas. Num milhão de passados e a perdurar. Estar-se vivo e deixar-se sonhar. Onde há ondas: há vento mas nenhuma brisa nos dias inteiros de Sol, como hoje. Onde nos importa estar.

…“ ’Cause I am"




H o u s e o f T r e e s

Foi um Colibri que me levou a esta Casa de Árvores. Um duo proveniente da Suécia que a wikipédia, ao dia de hoje, ainda não descreve. Trata-se de Djamila Skoglund Voss e Rob Coe, ambos cantam e ele também compõe e toca. Os House of Trees são mais do que duas vozes e uma guitarra: são a folia melodramática da escandinâvia. 


Às vezes, apresentam ao vivo alguns convidados. A música que fazem compromete-se algures entre a folk e o jazz, com folhagens clássicas aqui e ali, diferenciando-se num estilo que acolhe e progride. Gosto especialmente desta Crooked Tree, porque me parece saída de um concerto de Kusturica. A flauta é o instrumento encarregue de desencadear magia e o restante arranjo é funcional, porém, nesta casa de árvores não se esclarecem os enigmas: do princípio ao fim de cada tema, sente-se a omnipresença de um mistério que não se esvai. 


O papel dos H.o.T. é uma miscelânea de humor e drama e a maga Djamila consegue a façanha de levitar a voz afora das florestas encantadas suecas. Apesar da densidade das imagens sonoras, olhamos para cima e, através da sua voz e transparência, vemos a luz do dia. Este fenómeno tão rico e simultaneamente despretencioso é o expoente da música que fabricam. E em My Love há em Rob um ‘je ne sais quoi’ de Patrick Watson sugerido pela melodia que a guitarra destila porque neste tema, Rob só faz coro. E, como não admira, a natureza em panorama fica-lhes bem.



Em Maio passado andaram em digressão no norte do nosso país com os Colibri. E a música que estas bandas produzem parece radicalmente diferente. Comparações à parte, os troncos levantam-se da terra, os pássaros param nos galhos das árvores e o universo funciona nesta harmonia. Sob certos aspectos, a heterogenia de estilos vence, como por exemplo, no caso dos mashups (que até já aqui falei), alguns totalmente desprovidos de ligação fundem-se surpreendentemente. E estes suecos saem do botequim para a sala de espectáculos, refinando-se em menos de nada: embora melhore o papel de parede e a acústica, os músicos continuam iguais a si próprios e assim provam ser adaptáveis. 


Esta casa de árvores sustenta o carisma das bandas-revelação e as suas raízes e fundações vão conquistando mais mundo longe dos solos suecos. Há passarinhos que levam recados no bico e as estacas em terra sêca aprumam-se melhor.

sábado, 27 de julho de 2013

Mais Amor Por Favor

Foi no Intendente que Ceci Soloaga e Ygor Marotta vieram, esta semana, comunicar o Amor através da luz: juntos actuam como VJ Suave.  

Esta dupla brasileira, especialista na new media art (graffiti digital e projecção em movimento) prepara curtas-metragens animadas, performances ao vivo sobre obstáculos verticais e outras instalações mais ambiciosas em 3D com recurso a meios próprios, os “suaveciclos”, que podem ser tricicletas com computadores acoplados e projectores seguros com fitas de velcro sustentados por baterias, ou, outros veículos, melhor apetrechados com projectores de capacidade superior para trabalhos que abrangem mais público. 


via vjsuave.com

A receita é bastante simples: tudo começa pela pintura de uma aguarela em papel branco, que é digitalizada e enviada para um programa de edição de imagem; depois, invertem-se as cores e, rapidamente, seleccionam-se pequenos “quadros” (frames) que se sucedem para servirem de pano de fundo. Sem muito trabalho, criam-se texturas orgânicas das manchas adaptadas cujas cores se vão modificando por meio digital. Em seguida, através de edição de vídeo inserem-se as imagens em sequência, podendo adicionar-se outras figuras animadas que podem ser bastante simples, e induzir-lhes efeitos pré-existentes numa gama de milhares de possibilidades. A novidade é o jogo que se desenha à mão e transforma em luz: há uma história que as imagens conseguem contar.


Mas a dupla paulista não se fica por aqui. Com recurso a um iPad e à aplicação Tagtool, ensinam que podemos criar animações, através de pinturas que os dedos fazem no ecrã táctil e, se juntarmos a tudo isto um projector suficientemente capaz, podemos substituir a parede da sala pelos edifícios transformando-os em telas gigantes de rua. Esta é a street art em movimento. Instantaneamente, cor e forma somadas em luz podem invadir o espaço urbano. As ruas ganham vida e reconhecemos a nova era do graffiti digital. Nada suja a envolvente mas, pelo contrário, durante algumas horas, tudo se transforma em fantasia. E se recorrermos às instalações móveis, é a duração da bateria que dita o tempo do espectáculo. 


Da parede para a rua apenas aumenta a escala e o cenário de prédios, candeeiros, transeuntes, passa a ser um espaço de fundo surpreendido e renovado que evidencia a criação espontânea da imagem em movimento. O público assiste e recolhe do palco das ruas e de forma activa o melhor destes trabalhos quando a realidade emerge da animação e se funde com o exterior. Mas estes artistas de arte em movimento, não se limitam apenas a animar espaços públicos porquanto pretendem ainda passar uma importante mensagem. Além das criaturas desenhadas à mão que correm, nadam, dançam, pulam de nuvem em nuvem, sobem escadas animadas e se transformam em personagens de estórias que invadem fachadas de edifícios, árvores, comboios e tudo o que esteja presente à distância dos focos de luz: existem também letras animadas e do nada crescem poemas que lemos e retemos porque nos fazem reflectir. 



A intenção de comunicação é totalmente conseguida e, por algumas horas, o espaço fica mais vivo: há corações suaves que nos transformam a rua mas a verdadeira revolução acontece dentro de nós.

via vjsuave.com
PS: + Amor P.F.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

C o l i b r i

Foi a primeira canção que os Colibri escreveram: Alguns dias depois. 

Hoje, divulgaram-na assim:


Pintei os teus olhos numa tela 
para que os pudesse guardar
juro não te deixar 
pelo menos não os apagar
Com tintas escuras desenhei
traços tão subtis
pintados de todas as cores 
todas as cores do carvao e do giz

Eu não quero ficar lá
porque lá não é meu
esta ansiedade de ti
faz-me querer mudar tudo
ou ficar parado mesmo aqui
Mas alguns dias depois
voltei para ti
achava que eras tu
achava que dava certo
ficar eu a descoberto.

terça-feira, 23 de julho de 2013

U t t e r

Foi em 2006 que um grupo de amigos bracarenses se juntou. Influenciados pelos Sigúr Rós, U2, Radiohead, entre outros, chamaram ao seu projecto Utter, termo que traduzido significa “completo, absoluto, inteiro, infinito” porque aspiravam ao canónico, ao elevado e ao total. As letras são em Inglês e é nesta língua que definem a música que fazem: “Our music is always inspired by the universe, by the places where we’ve been (...) by listening to our music, we want people to be carried away to an imaginary place where everything's controlled through the natural equilibrium of the universe”.

via Facebook página oficial dos Utter

Foram finalistas do Festival Termómetro em 2011, e, nesse mesmo ano, editam o álbum “Empty Space”, cujo nome porventura poderia ter surgido em género singular da canção de título quase semelhante (ou não estivesse no plural) do álbum “The Wall” de 1979 dos Pink Floyd. E apesar do título, com os Utter nenhum espaço é deixado vazio.

November 1st abre as cortinas do álbum para uma paisagem atmosférica e instrumental. Entramos no espírito. Segue-se The Same Thing, os instrumentos são complementados com uma letra que (não encontrei disponível e) me parece ser esta:

Who Am I to teach you
If you keep me warm
But who am I to tell you
We are losing time
But who am I, and who am I, to rest you
We will be just fine
There ain’t no one to save you
We must go

But who are them to change you
We can always run away
And you just have to trust me
It won't be better if you stay
But who am I, and who am I, to rest you
We will be just fine
Would you trust me back? It's your time to go 
Would you trust me back? It's your time to go 
It’s time to go
If you leave me out here I'll be cool

Do you see?
Do you see?
If you open your eyes I’ll be there.

A estética musical dos Utter é um agregado de coerência electrónica onde a guitarra estende caminhos que a voz de João Pedro Botelho percorre. Não há obstáculos. Nada parece estar a mais. Nesta faixa, por momentos quase sem instrumentos - não fora uma mão dedilhar as cordas da guitarra -, o tom vocal eleva-se mas, a harmonia nunca é descontinuada interpelando-se, logo a seguir, a primeira corrente musical. A versão acústica ilustra a competência da banda:


Into the Light carrega algumas influências dos Sigur Rós. Old Guitar é uma promessa de liberdade, uma projecção de futuro dedilhada nas cordas da guitarra. The Walking Dead é talvez a faixa mais pop, o videoclip oficial foi gravado na Crácia (em Zagreb) e entregue de presente aos Utter. Volta a sensação de experimentalismo em Empty Space. You Draw A Line Between contou com a colaboração dos Noiserv. Em So Beautiful, fala-se de sonho. O som é expansivo. A letra inspiradora. Podemos deitar-nos num campo e olhar o céu transportando-nos dali. Primeiro através do teclado, como um colchão confortável. Depois o movimento acontece. O coração bate depressa. Apetece deixar-nos ir. Intuimos uma paisagem geométrica que nos embala e vagueamos deitados ao sabor da vibração das cordas friccionadas. O que ouvimos condiz com este vídeo (não oficial) que foi editado por um fã e que os Utter já divulgaram na sua página.


Aguarda-se novo disco para o início de 2014 mas, desde o Verão passado, João Botelho e o guitarrista Galiano dividem-se entre este projecto e o Colibri que, no último ano, os tem mantido ocupados. Resta saber qual dos projectos voará mais alto, se o beija-flor a cantar em português, ou, se este que é inteiro, completo e totalmente (utter) em inglês, ainda que o principal e comum aos dois seja universal: afinal, tudo isto é música. 

domingo, 21 de julho de 2013

Geração Deolinda

Foi há um par de anos numa noite de Janeiro que Ana Bacalhau apresentou uma canção inédita, séria, cujo retorno do público foi avassalador. Em Janeiro, a terra estava fria mas as salas de concerto acolheram calorosa, absoluta e instantaneamente a música que viria a ser um grande sucesso dos Deolinda. Pedro da Silva Martins escreveu e compôs o tema, chamando-lhe: Parva que Sou, e, começava assim: “Sou da geração sem remuneração/ E nem me incomoda esta condição./Que parva que eu sou!”. Este vídeo (de qualidade amadora) comporta o impacto que a música teve por essa ocasião:




Os Deolinda não se enganaram ao acharem que este tema lhes parecia atual. Ainda hoje o é. E ainda hoje (e sempre) a música é um veículo de repercussão, estranho, que nos altera a disposição da alma. Uma canção pode ter esta dimensão: tocar-nos, arrepiar-nos, alegrar-nos. Os Deolinda escreveram o texto sobre o que o mundo via mas ainda não ouvia. Não visionaram tempos fáceis, pelo menos os próximos que estavam por vir: “Porque isto está mal e vai continuar,/ Já é uma sorte eu poder estagiar./ Que parva que eu sou! E fico a pensar, / Que mundo tão parvo / Que para ser escravo é preciso estudar.”

E os mesmos tempos continuam por vir. Aquela realidade entoada está há muito a acontecer, com exemplos em todas as famílias. Na maioria, porvindos dos corredores estreitos das oportunidades de trabalho. São milhares de “parvos” iludidos com as promessas enfatizadas pelas gerações anteriores, ensinamentos de que a ascenção a cada lugar no mundo advém da educação. Vivemos uma nova noção de independência que não o chega a ser e os Deolinda ironizaram a ansia de uma vida diferente: “Sou da geração 'casinha dos pais',/ Se já tenho tudo, para quê querer mais?/ Que parva que eu sou!/ Filhos, marido, estou sempre a adiar / E ainda me falta o carro pagar,/ Que parva que eu sou!”. É, em boa verdade, a ruína dos sonhos de futuro, assumida num hino à contenção mascarada daquilo que se quer viver. Numa palavra: sobrevive-se. E esse estado de existir pela metade não é suficiente. Os Deolinda despertam-nos na parte final da canção, quando Ana Bacalhau dá um grito de basta: “Sou da geração 'eu já não posso mais!'/ Que esta situação dura há tempo demais/ E parva não sou!”. O público aplaude e levanta-se. Trata-se de um retomar fôlego de esperança. A música alberga emoções, e esta em particular é capaz de contagiar a expectativa de mudança e, durante alguns minutos, o mundo parece tornar-se um lugar melhor. 

Dado o tremendo sucesso da faixa, Parva que Sou tem sido, repedidamente, apresentada no alinhamento da banda nas actuações ao vivo, e, entretanto, foi masterizada a partir de um dos concertos para poder ser partilhada e recebida com maior qualidade. Foi decido pelos Deolinda que não seria comercializada, e que estaria disponível na web para download gratuito. Assim aconteceu. E assim o mundo não parece tão parvo, pois não?


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Ian

Foi o Ian Curtis que decidiu que não faria hoje anos. 

Esta Lullabye é para ele: uma homenagem de embalar dos Hypomanie que vos deixo para a hora de jantar.

Depeche Mode Alive

Foi Dave Gahan que sugeriu o título de uma revista de moda francesa para dar nome à banda porque antes, havia nele, ambições de estilista. Na noite de ontem aprimorado de blazer, mudou duas vezes de colete e, por meio de uma dança sensual, modeladora de um som só deles, especialmente, em Policy of Truth, soube desfilar a sua excelente forma física a par da boa condição vocal. 

Entre os temas revisitados Just Can’t Get Enough e Personal Jesus nos momentos mais altos, intercalando com o fôlego novo do “Delta Machine”, aos 51 anos, Dave cantou e encantou no seu papel de exímio performer de massas. Conduzindo o movimento dos fãs, incitados a repetir em uníssono o ritmo imposto pela música, em Enjoy the Silence o vocalista do trio britânico soube dirigir uma interacção memorável, testemunhada no recinto pelo panorama de braços elevados ao alto ondulando-se ao sabor da sua maestria. 

Via: Rui Coelho
Absolutamente imparável, despia o terceiro colete, procurando esgotar o público nas correrias aclamadas aos extremos do palco. As letras foram continuamente entoadas e a ginástica energética ajustada num efeito espelho. Talvez as 18 colunas suspensas não tenham sido suficientes para Heaven, porém, a expressão introdutória de Welcome to My World e Angel terão servido o propósito da digressão que trouxe a veterana banda a Portugal. Na segunda noite do Optimus Alive, houve ainda lugar para Walking in My Shoes desde o palco principal, momento aguardado das duas horas de concerto, com apelos amplamente correspondidos de uma audiência sempre cúmplice e entusiasmada.

Houve direito a uma Black Celebration vibrante mas esta máquina é composta de três vértices equidistantes (delta) com o devido espaço para a bateria de Christian Eigner em Question of Time. Como seria de esperar, Martin Gore provou os seus dotes vocais em Shake The Disease fazendo acompanhar-se pelo piano de Peter Gordeno, e, teve ainda maior oportunidade de fazer do palco Home em comunhão com o público, que o soube bem receber no início do encore. 

Em suma, uma bela representação da pop electrónica inglesa, perfeitamente cumprida que justificou a marcha de milhares ao Passeio Marítimo de Algés. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

C o c o R o s i e

Foi há uma década que as norte-americanas irmãs Casady, se reencontraram em Paris e decidiram formar as CocoRosie. Inspiradoras enquanto fontes de criação, adoptaram o experimentalismo com elementos raros e é através da simplicidade que reconhecemos as escolhas de alguns dos objectos que produzem som: campainhas de bicicleta; gravadores; apitos; e até, muitas vezes, o som de animais à distância do botão de aparelhos musicais infantis. É um trabalho sério que parece derivar das suas brincadeiras. Num estilo freak folk e electrónico, estas irmãs não pretendem ser nada além delas próprias, o que as faz muito especiais.  
Foto de CocoRosie

Sierra (Rosie) demonstrou desde logo grande habilidade no uso de harpa, guitarra e piano sendo o seu maior trunfo a colocação da voz, depois de anos de estudo de ópera no conservatório parisiense. Bianca (Coco), mais nova três anos, munida de vocais infantis e formação para escrever letras. E, paralelamente, ambas utilizam os tais objectos estranhos – muitas vezes brinquedos - numa sonoridade conjunta de contrastes e invulgaridade. Somos apanhados por uma atmosfera surrealista de coisas várias que à primeira vista poderia pensar-se não combinarem. 

Ao contrário de muitas, esta é o género de banda que deve ver-se ao vivo. Good Friday pertence ao álbum de estreia de 2004, “La Maison de Mon Rêve” e é uma pequena amostra disso. Terrible Angels introduziu-as no campo musical através de uma letra simples, uma melodia pouco veloz, duas vozes bem acertadas e aqueles sons estranhos – podiamos tentar adivinhar que elementos eram aqueles mas, o sortido de sons inobserváveis das CocoRosie é o código genético do seu trabalho. Em Candy Land éramos embalados por uma harpa, o canto lírico de Rosie crescia e as brincadeiras eram evidentes: a canção é tão suave que somos transportados para um quarto de meninas onde se pressente um menino (Bianca, a irmã maria-rapaz) que pretende chamar à atenção através de uma espécie de pista automóvel  que se ouve atrás. Ou então, seriam as engrenagens mecânicas de uma fábrica de doces, a emitir aqueles sons. Não percebemos bem. É o jogo da adivinha desde que cheguemos a acordo na resposta final porque a fórmula é secreta. Alguma inocência de principiante poderia antecipar uma revolução de estilo para os álbuns que se seguiriam.

Em “Noah’s Ark” no ano seguinte, somos presenteados com a presença de Antony Hegarty na faixa Beautiful Boyz


Coco faz lembrar Björk na similar falta de esforço para se debruçar no seu timbre infantil. Ao longo do álbum encontramos um pouco de tudo: há um gato a miar; um acordeão ligeiramente acordado; animais a comer; um relógio que dá horas; um telefone a tocar; xilofones; um cavalo a relinchar e parece que estamos dentro de uma quinta. Podia ser tudo isto mas falta mencionar Sierra, pois mantém-se o monstro lírico, que transforma canções de embalar em verdadeiras epifanias. Quando ouvimos CocoRosie cada um retira o melhor para si. Em Tekno Love Song, parece-me que quem recita a letra da canção é Philip Seymour Hoffman vestido de Capote (o mesmo acontece dois anos depois durante os cinquenta segundos de Girl and the Geese) e as primeiras notas do tema confundem-se com o prelúdio da segunda parte de Pompidou dos Portico Quartet. Depois Coco sobrepõe-se e o resultado é irresistível  Em Brazilian Song há novas especiarias trazidas por Devendra Banhart, e é como se ao longe um grupo de índios convidasse o Sol a mudar a sua cor mantendo-se as texturas bizarras em consonância com o restante trabalho. Em Oh Sailor, há uma ânsia misteriosa de sobrevivência e o xilofone prevalece quando a voz de Rosie inunda aquele território só delas, impossível de confundir.

Com “The Adventures Of Ghosthorse And Stillborn” em 2007, chegamos ao Japan


A vida torna-se uma montanha russa e, mesmo quando chegamos ao ponto mais alto, Rosie impõe-se com os seus vocais numa espécie de evocação religiosa. A sofisticação da música contrapõe-se com os guizinhos que agita nas mãos, pulando depois no palco e cantando de forma infantil. É o puro recreio. 


Em Animals trazem borboletas, animais e ruídos de alvorada. Bianca destila um rap psicadélico saído de uma floresta mágica que é uma experiência que apetece ouvir mais. Nas gravações de concerto podemos encontrar brinquedos de bebé e outros instrumentos levados pelas CocoRosie à descoberta das suas algibeiras quiméricas. 



A letra deste tema expõe a vulnerabilidade de Bianca numa honesta declaração de solidão durante os tempos passados em comunhão com a Natureza, confessando o seu espírito frágil, incompreendido e alinhado com os animais.  A música não chega a ser triste porque a letra acrescenta-se emocional, porém, tremendamente verdadeira como uma memória arrumada dentro do coração. Raphael é o som extraído de uma imagem. Assim parece mas, desta vez, o relato de Bianca sugere uma experiência adolescente como uma má memória. Miracle descortina a sátira das manas relativamente a um casal poder viver feliz para sempre e é neste tema que Bianca parece atracar-se a Björk em The Anchor Song.


Em 2010, sai o álbum “Grey Oceans”, Lemonade parece ensombrar CocoRosie com os vocais eternamente infantis de Bianca e o piano dos Evanescence. Em The Moon Asked The Crow podia ser Erik Satie ao piano. Em R.I.P. Burn Face mais fácil seria recategorizá-las num género de música do mundo. 


Mas as manas estão finalmente de volta com “Tales of a Grass Widow”. O quinto álbum de longa duração. Há o luto da viuvez na indumentária mas a música continua orgânica e não traz surpresas. Parece mais uma tigela retirada da poção que as irmãs confeccionam com ingredientes só delas que sabem manter imaculados: o teatro, as vozes em domínio, os elementos pictóricos da natureza. Gravediggress é a primeira prova que podemos experimentar:


Em Tearz for Animals a questão "do you have love for humankind?" faz-se ecoar, apontando  para a nossa reflexão conjunta. Este tema conta com a participação de Antony Hegarty, assim como Poison. Nem isso mudou. Apetece pensar que ainda não é tempo de crescer porque os amigos são os mesmos. Apetece ainda dizer que o universo atmosférico do imaginário Casady é um lugar seguro feito de bibes, de tranças, de brinquedos e de emoções, onde parece não haver mais gente a não ser as crianças.

sábado, 6 de julho de 2013

Arc du Soleil et Pluie

Foi quando vivi além Tejo. Troia antevia-se oito pisos acima do chão. O néon repartia-se no hotel ao fundo. A serra quase em casa. Outra arrábida que não era ponte. E que lugar era aquele onde as praias não eram férias. O dia a dia quente. Os domingos, muitas vezes, café com pés descalços. Areia fininha. Calor no carro geralmente prenúncio de Figueirinha. Índigo, água. Anil, céu. A serra por trás. Verde. De noite, breu. Pele morena era, outras vezes, o terraço. Óculos escuros. Chapéu. Preto. Branco. E mais branco. E que lugar era aquele onde  o Sol predominava em tudo. Ardia. Nuvens raras. Prédios amarelos, outros de cor rosa. As noites estreladas como surpresas à espreita. Bordaduras de prata. E tanta vontade de ver. Assim era o Verão nas horas de Setúbal. 
De Inverno claro que chovia. Mas era outra frequência. O frio não batia com força. O nevoeiro não cegava a paisagem. Às vezes mangas curtas. O trabalho era mais horas na fábrica. Ainda o rodízio de peixe ao almoço ou, quando havia de ser, o bom choco frito chegava. Sesimbra tão perto. O Barreiro. Paragens de gente amiga. O ócio: apetite de escrita e pintura. Especialmente em dois mil e oito o universo sabia o quanto eu gostava disso. Um vez em Maio, a enviar-me aquelas cores:


E o que eu gosto de cores. Acho que aprendi ali a gostar ainda mais das cores, das coisas, de tudo. Até do Inverno. Porque entrevinha-se o resto. Às vezes Lisboa a dar-se a conhecer. O frio não era tão frio. Não seria coisa que esquecesse se o mesmo rigor do norte. Inundava-me o encanto de andar encantada. E que lugar era aquele de Bocage. Madrugadas novas por soltar. A estação em obras. O parque para correr. Polis entre avanços e recuos. O fórum encerrado na avenida. Aos poucos, a cidade renascia. Mudava ela em corrente como se tudo ligado. O choque entre as coisas. Primeiro no rio, depois nos sulcos, lá em baixo, na terra por semear. Aberta ao vento e no ar a subir. Na minha janela havia horizontes suspensos ao longe. O vidro a separar o que estava por vir. E fui embora antes que os golfinhos saíssem da rotunda para o jardim. Tive de seguir. Em cada caminho existe um fim e que terra era aquela.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

quarta-feira, 3 de julho de 2013

C o l d f i n g e r

Dedofrio? É nestas alturas que dou razão à Manuela Azevedo: em Inglês fica sempre bem. Esta banda, desalinhada do circuito nacional cedo me tocou especialmente. É claro que a voz da Margarida Pinto é suficiente para prender a atenção, no entanto, o facto de o Miguel Carmona ser um ex-Blasted Mechanism, e de terem contado com a colaboração de músicos como os Despe & Siga, Cool Hipnoise, Lisbon City Rockers, Arkham Hi-Fi, entre outros, fá-los originais e competentes nas criações que apresentam. 

Estávamos em 1999, quando apareceram com o “EP 01”. De entre os poucos temas, Shapeless com boa construção instrumental e alguma agitação ritmica fazia lembrar os Lamb num cenário mais límpido com os vocais esticados da Margarida em tom primo a Lou Rhodes - não seria honesto aproximar-lhes um parentesco maior -, havia traços fortes de trip-hop, drum n’ bass e, em termos gerais, encontrávamos também laivos dos Portished.  




Em 2000, Beauty of You do “Lefthand” um tema melódico ilustrado por um video de gosto discutível decorrido entre latrinas, lavatórios e espelhos imundos que nao faz jus à música, reintroduz nos Coldfinger os traços de trip hop num estilo paciente de downbeat. 


Por outro lado, em Para Um Poema quiseram preencher com poesia as linhas melódicas e harmónicas àquele seu ritmo de batidas suficientemente espaçadas retirando de uma máquina eléctronica o Getting Nowhere In a Hurry de Roy Budd para o Vingador, que depois de um molho de décadas só se deixa encontrar no prelúdio da faixa mas confere as devidas semelhanças. 


Dois anos mais tarde, em “Sweet Moods and Interludes” mantinham a linha do projecto electrónico, brindando-nos com Cover Sleeve uma faixa melancólica com piano  e provavelmente não haveria muito desacordo se dissesse que é a mais bonita música produzida pelos Coldfinger. Têm sido, com a simplicidade que conseguem impor, uma força singular no trabalho musical produzido em Portugal: há uma entrega grande porquanto cantam e tocam sentimentos evocando fortemente a saudade e a esperança.



Influenciada por Nina Simone, permanecia sobre a arquitectura instrumental uma Margarida Pinto através de uma voz envolta em sensualidade. Nessa altura, podiamos ouvir os Coldfinger encostados num filme, como em How Could Time. Liga-se um carro, encontramos a maré a subir mas não há mais mistério, os Coldfinger fazem o que sabem fazer, e reconhecemos-lhes com agrado que, apesar do interregno para “Supafacial”, mantiveram a sua linha condutora. 

How Could Time by Coldfinger on Grooveshark

Depois de um interregno, justificado por um “Apontamento” da Margarida Pinto a Solo e totalmente em português, em 2007 “Supafacial” surge numa nova direcção. A eximia voz de Margarida é empurrada para segundo plano e o género abandona o terraço largo do trip hop tornando-se mais pop, mais electrónico e mais dançável, como neste Dragonfly:

Dragonfly by Coldfinger on Grooveshark

Quase década ½ depois de se estrearem, regressam com álbum novo: “The Seconds”. Afinal o que mudou? Tirem-se as dúvidas em You Should Fall. O videoclip animado com a dança da letra, dispersa um pouco a atenção da música mas, essa, mantém-se igualmente dançante. Parece o continuar da linha do novelo de há 7 anos, longe das melodias iniciais da banda que primavam pela originalidade. Agora, apenas encontramos matizes baças de um maquilhado estilo novo. Não fosse a camuflagem da voz e mereceriam, ainda assim, ser louvados. Sem o calor da voz da Margarida a uma distância que se agarre podemos arriscar em bom português que, parece irreversível: o dedo ficou frio. 

terça-feira, 2 de julho de 2013

Fragmentos de tempo que contam histórias sem tempo nenhum

Foi um Bryan quem me levou ao meu primeiro concerto em 91. A esta distância já não nos cumprimentamos mas, naquela época, tenho a certeza que me viu entre a multidão porque passei grande parte do tempo no lugar privilegiado das cavalitas de um tio que não era meu tio. Agora olho para os bilhetes que fui guardando com o passar dos anos e percebo que mudamos com o tempo quando não reconhecemos o que foram os nossos gostos. E estes bilhetes que guardamos escrevem parte de uma história. Olho para eles e encontro o Abrunhosa mas reparo que não guardei o Bandemónio de bilhetes que me passaram pelas mãos nas tantas terras do norte. Sting lembra-me o aniversário da minha irmã e a relva de Alvalade num dia de muito Sol. Um dia em que uma tarde em minutos se fez noite no trânsito de uma Lisboa frenética que me era estranha. Mas conservei três bilhetes da Maria João e do Mário Laginha, entre o Coliseu e o Rivoli e percebo que me tornara mais interessada pela música e pelas pessoas que se juntavam comigo e que conservo ainda hoje. Outras vezes, a vida é uma sucessão de amigos. E eu sempre disposta a chegar primeiro, gostava muito de me sentar à espera antes dos espectáculos, na escadaria do Coliseu, onde nos procurávamos encontrar. Já não mudava tudo com o passar dos anos. Era também fiel ao piano. E foi outro piano que me levou a Famalicão ver o Michael Nyman, anos mais tarde. Ou o Rodrigo Leão em Tavira numa noite ao ar livre com direito ao ensaio, para rever no festival do Silêncio entre poetas, no São Jorge, nesta Lisboa recente que já é casa. Os Ornatos Violeta e, talvez porque o monstro precise de amigos, os Turbojunkie estiveram comigo no Hard Club há muitos anos e houve os The Gift no Rivoli onde comprei o Vinyl longe de imaginar que os iria rever tantas vezes no queimódromo mas com muito menor atenção. Avanço então com mais bilhetes. Alguns foram rasgados no lugar da data.  Vejo isto e sorrio. Não importa: a música não tem cronologia e os concertos são momentos particulares de auge. Então avanço. Os Violent Femmes levaram-me a visitar a minha amiga de infância que estudava em Coimbra. E foi um qualquer espectáculo esgotado que me levou aos Stomp no Coliseu. O barulho que era música e atenção à riqueza reciclada. Quando achamos que sabemos onde devemos ir as surpresas apanham-nos. Os Cinematic Orchestra e o Nitin Sawhney actuaram no Sá da Bandeira depois de filas que se encaracolavam na baixa portuense. E o metro de Lisboa levou-me aos Smashing Pumpkins concretizar um querer muito forte de ali estar. Mas de regresso ao Porto, foi o Ben Harper que vi novamente encher o palco com os Innocent Criminals. E maiores culpados fizeram-me voltar ao Coliseu: os bilhetes dizem d’Os Cult, Massive Attack, Air, Tricky, Bahaus, Lamb e até o Caetano Veloso antes dos Sigur Rós que aclamei de pé entre um público muito atento em tempos de menor euforia com uns islandeses mais tímidos que passados 8 anos voltei a receber no Campo Pequeno. Desta vez tive a minha mão a agarrar outros cinco dedos que fazem parte da minha vida, num dos melhores dias do meu ano. Fui porque tinha de ir: afinal, voltamos sempre àqueles de quem mais gostamos.

Porquanto estes fragmentos são também memórias, guardá-los-ei. Já perdi muitos pelo caminho. Concertos e bilhetes. E as noites de concerto são magia sob muitas formas. A distância antes. Os minutos que são a espera. A espera que são pessoas. Que aguardam. Aguardam. Aguardam. As pessoas que são partilha. Partilha de ali ir. Ir é passar as entradas. Entradas aclamadas que são o palco a encher. Encher os sentidos. Sentidos atentos que são os instrumentos em movimento. E o movimento é a vibração das coisas. Coisas que são a pouca luz do ar. E o ar é fumo. Fumo que é proibido na sala. E a sala é quente. E quente é dentro do espaço. Espaço que fica apertado. Apertado é um coração. Coração concentrado em tudo é alegria. A alegria que é o público. O público que são as pessoas. As pessoas que por um par de horas são família. E a família são sorrisos entre a dança. A dança que é prazer. O prazer que é sair do lugar. O lugar que é ali. Ali que é um lugar sem tempo por algum tempo. Um tempo que é pouco. Um pouco tempo que apetece mais. E venha mais um concerto. Só mais um. Um, de cada vez, para consumir inteiro mas bem devagarinho e, de preferência, com a tua mão a agarrar a minha.