sexta-feira, 28 de junho de 2013

C i b e l l e

Há vozes que fazem músicas. Há timbres cuja presença é elegante e nos despertam uma atenção instantânea. E há palavras que ressoam como verdadeiras armadilhas. O ar sai dos pulmões com sentido musical numa lógica inevitável, cativante como o riso. Há vozes, assim, felizes. São muitas. Ouvimos uma vez e, tempos mais tarde, depois de milhares de outras coisas ouvidas, reconhecemo-las. São vozes que podiam não pertencer a nenhuma linguagem: vogais e consoantes desfilam nas passarelas das pautas, como se lhes pertencessem. Há vozes que são as próprias músicas. 

Cibelle Cavalli Bastos nasceu em São Paulo há 35 anos, trabalhou como actriz e modelo mas cedo se dedicou à música. O seu estilo situa-se algures entre a electrónica, Bossa Nova e o Neo-folk, sendo conhecida por representar um género “tropical punk”. Estreou-se em 1999 dando voz a 3 músicas enquanto vocalista do grupo Suba no álbum “São Paulo Confessions”, uma década depois participou no “Femina” do The Legendary Tiger Man, e entre várias outras colaborações já editou 3 álbuns. Além de multi-instrumentista, é produtora musical e dedica-se a outros projectos na arte performativa, plástica, etc. A dada altura decidiu adoptar o nome de Sonja Khalecallon vestindo a pele de uma cigana, seu alter-ego, pois revê-se enquanto sujeita itinerante cidadã do mundo e, especialmente pelo que se vive hoje no Brasil, usa as redes sociais de forma verdadeiramente activista em defesa das causas em que acredita. Cibelle não se importa com o que pensam dela. 

via palcoprincipal.sapo.pt
Em 2003, com apenas 25 anos, lança-se na europa com o álbum auto-intitulado “Cibelle” primando pela originalidade no seio da música brasileira, apesar de seguir a linha de Bebel Gilberto partilhando, com esta, a mesma companhia discográfica belga (Crammed Music).  Inova a versão de Jobim com Inútil Paisagem e já erradicada em Londres confessa-se paulista nas suas versões de Só Sei Viver no Samba e Um Só Segundo.  

Em 2006 sai “The Shine of Dried Electric Leaves” e a artista vanguardista, depois da sua passagem por Paris, demonstra dominar o francês e o inglês entre experimentalismos como neste tributo a Tom Waits em Green Grass e na criação de continuidades com bases mais jazzísticas em Flying High, sendo o tema remisturado por Yann Arnaud (Air). Mas é com Lembra que nos lembramos que lhe acresce o talento da construção de letras (esta escreveu com Mocky) intercalando-se português-inglês, como a Nina Miranda fazia nas Águas de Março (Joga Bossa Mix)  dos Smoke City e nos seus amores subaquáticos (em Underwater Love).


“There are times

When you wake up
And it all seems different
It was a dream
(...) the sky on the ground
And all that coldness
When your heart belongs elsewhere
Under the sun, on the top of the sand
And all around you is so wet
Everything is so wet
Everything is so wet
Under the sun, on the top of the sand
And all you wanna hear is a bird call
All you want is a bird call
Só um bem-te-vi (just a bird)

Slowly

Walking through the fields
Empty heartbeat
Follow someone

Deixa pra lá


Rollercoasters in the thin rain

Now in my rainy mind
Stories slide insane
Slide insane
Slightly most, leaves under my feet
I feel my skin, it's so cold out here

Deixa pra trás


Lembra, lembra, lembra


Que venham as flores e as águas de Yemanjá

Vem no vento, vem no vento
Pensa na beira do mar
Vem no vento, vem no vento
Pensa na beira do mar
Vem no vento, vem no vento
Pensa na beira do mar

Me deixa chegar

Me deixa chegar
Me deixa chegar

Que venham as flores e o cheiro de mar

Que venham as flores e o cheiro de mar
Vem no vento, vem no vento
Pensa na beira do mar

Lembra, lembra, lembra, lembra”


Em 2008 é editado o EP White Hair, mais uma prova da qualidade desta compositora. “Las Venus Resort Palace Hotel” sai em 2010 e é quando Cibelle veste a pele de Sonja na banda Los Stroboscopious Luminous actuando no último cabaré que resiste antes do mundo acabar. Sonja traz-nos Underneath the Mango Tree num registo mais arrojado e exótico em consonância com o espírito do álbum mas é Sad Piano que parece pacificá-la personificando o estado de alma no instrumento. O piano está triste e ela, Cibelle, despida da Belle Époque, não se importa com o que sobre si se pensa ou diz porque há vozes que fazem músicas mas temos de nos calar para as ouvir.