sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Glossolalia

Curioso é o ruído que as coisas encerram dentro de si. Por exemplo, nos vidros que se estilhaçam. Esse barulho que sai de uma vez. Aquele primeiro momento relativo ao estrondo que nos chama. O segundo é o susto. Segue a consciência de não haver remédio perante o nosso pasmo. Depois, fixamos a imagem das coisas partidas. E vem-nos à ideia a inércia. A imobilidade presa às partes. Em todos e em cada um dos seus elementos, quando estatelado morre o que, antes, existia inteiro. Outras coisas há que não partem da mesma maneira. Podemos, no entanto, rasgar o papel para o ouvirmos, bater com força a madeira da porta, sacudir tecidos, puxar o arame da guita. Nestes casos, é mais a mão humana a liderar o discurso. Mas, afinal, se as coisas falassem, em que linguagem comunicaríamos? 



Com mais atenção, podemos afirmar que o plástico pertence a uma classe mais argumentativa. Se, por exemplo, pensarmos nos sacos do supermercado: inquietos, difíceis de dobrar, teimosos em ficar colados, encorrilhados, chatos. Parecem indomináveis no seu idioma artificial, mas haverá assim tantas emoções dentro de um saco? Não será a gravidade das outras coisas dentro deles? Ou, devido à correria de todos os dias, a nossa ansiedade em abri-los para os enchermos, e, a nossa pressa em guardá-los na gaveta? Às vezes, nem sabemos o que fazer a tanto plástico acumulado em casa. Só apetece acabar com ele. Servi-lo, hoje, sexta-feira, no contentor amarelo, sem pensar nisto... Porque então podemos escolher guardá-lo, estimá-lo bem, tratá-lo com paciência e, no fim de tudo, ainda concordar que pode estar vivo, mas tão vivo, como outra coisa qualquer. Basta que seja outono.


Glossolalia - é um fenómeno em que o indivíduo que o experiencia crê expressar-se em uma língua por ele desconhecida, que em geral não existe, mas por ele tida como de origem divina.