domingo, 6 de outubro de 2013

D a u g h t e r

Raízes: 2010, Londres. Folhagens: 2013, Mundo. 

Elena Tonra trabalhava a solo, ou antes, criava a sua música. Filha de mãe italiana e pai irlandês, aos treze anos recebeu um álbum de Jeff Buckley oferecido pelo pai, sentindo esse o momento em que percebeu o que era a música. Desde cedo dedicada à escrita de poemas por se sentir solitária e inadaptada, mais tarde, é por meio da guitarra do irmão mais velho que decide transformá-las em canções, de cariz melancólico, iniciando o seu caminho como cantautora. Faltavam Igor e Remi, mas a banda acabou por se cruzar no Institute of Contemporary Music Performance e o trio conta agora com três anos de percurso. Quando conheceu Igor Haefeli na escola de música, e este se dispôs a tocar guitarra com ela nas actuações ao vivo, percebeu que os estilos se conjugavam e decidiu expandir a sua música. Nessa altura, o que começou por ser uma favor de um colega, rapidamente se tornou numa banda, mais tarde com a entrada do baterista Remi Aguilella. Por ter tido uma boa infância e, apesar da feminilidade intrínseca ao nome, devido a essa reminiscência, surgiu-lhe o nome Daughter, nome que é tido como confortável para os três elementos e já distante do projecto de Elena a solo. 

Depois de dois EP (His Young Heart e The Wild Youthlançados em 2011, sendo Home retirado do segundo [mais electrónico e atmosférico que o anterior] percebe-se que a linha mestra que conduz o grupo se mantém, e esta coerência deriva sobretudo - à semelhança do que acontece com inúmeras outras bandas como Coldplay, Bon Iver, The XX, Cat Power -, do peso que a voz da vocalista imprime na balança trimétrica da banda.




Os Daughter vão actuar em Lisboa, no final de Novembro por ocasião do Vodafone Mexefest para divulgação de If You Leave, álbum de estreia no formato de longa duração. O título relaciona-se com amor e morte, temas presentes em todas as músicas do disco. Trata-se de evocar o medo que nunca se vê, o sentir da própria solidão e a sensação de abandono. Precisamente por ter tido uma infância feliz, aliás retratada nas capas dos EP, sente que necessita continuamente de protecção. Pode ser uma antecipação pessoal de quem escolhe reflectir sobre o depois da vida. Elena considera que quando morrer vai estar sozinha e define como aterrador um estado em que não encontra ninguém. A sensação é a mesma quando antevê a possibilidade de as pessoas lhe morrerem. Gosta de pensar sobre isso e de transportar esse interesse para a música. Esta linha e esta ideia emergem do tema Shallows.



Genericamente, as letras são autobiográficas. Relacionam-se com pensamentos e disposições pessoais. Elena desafia as emoções através da escrita. Serve-se da própria tristeza interior, e é esse seu lado escuro que considera a fonte verdadeiramente inspiradora que transforma em música. O tema Smother representa esse estado de espírito que denota culpa, talvez seja uma vontade de voltar atrás e fazer de modo diferente, ou, no limite não chegar a nascer: «I sometimes wish I'd stayed inside / my mother / never to come out». 



Assumindo com timidez as actuações em palco, é claramente com a voz, que Elena toma de assalto o público e o envolve, mantendo os olhos quase tapados pela franja e normalmente voltados para o chão. Reaproveitado do EP The Wild Youth, o tema Youth é uma amostra-testemunho que justifica a ascensão da banda.


Neste contexto, a canção Amsterdam é a excepção do álbum. O tema é uma espécie de comentário em relação ao comportamento humano. Foi escrita em Janeiro de 2012 numa viagem da banda a essa cidade. Trata-se da observação externa relativamente aos escapes mundanos: os vícios; as fugas; e todas essas maneiras de de alienação a que também se chama vida: «Good night with killing / Our brain cells / Is this called living / Or something else». 


Mas nem só de originais se ocupa esta banda, já reinterpretaram alguns temas de Bon Iver, Hot Chip, e também os Daft Punk tiveram a mesma sorte em Get Lucky. Através das entrevistas, ocasiões essas de maior improviso, percebemos que, embora a manifesta fragilidade e a natureza das emoções envolvidas na música da banda, o lado negro não se exterioriza. À transparência do momento revelam o melhor da sua juventude e da sua alegria. São graciosos, afáveis, e, como se pode comprovar na seguinte introdução desta versão acústica de Medicine, parecem bastante realizados com o que têm andado a fazer. Esta banda está a conquistar o mundo: é uma «filha» com três braços e todos os dias surgem novos pais para a proteger.