terça-feira, 13 de agosto de 2013

To Build a Home

Construir uma casa tem muito pouco de engenharia. É claro que há o projecto, reuniões, ideias e prazos para cumprir. Mais os materiais envolvidos: tijolo, cimento, azulejos, pastilha, a madeira dos móveis, dos rodapés. Grandes máquinas em acção. Barulho. Muito barulho. Há armaduras em ferro para receber o betão. Lajes que os pilares hão-de suportar anos a fio. As paredes e, dentro das paredes, canalizações e circuitos eléctricos. Há a bancada da cozinha, electrodomésticos, as louças sanitárias. Pormenores relacionados com a qualidade: de preferência um bom isolamento térmico, bons acabamentos, remates finais bem feitos. Depois temos a cor certa das paredes mesmo que possamos pintar por cima ou escolher um papel bonito. No fim da obra deixam-nos tudo limpinho. Ainda com algum pó por assentar. Então habitamos essa casa e a verdadeira construção recomeça. Tudo o que colocar lá dentro. E o lugar certo das coisas mesmo que cada coisa mude muitas vezes de sítio. A mobília mais pesada até ao resto. Os copos, os pratos, os talheres. A outra loiça que não cabe em nenhum lugar. Os candeeiros e a sua condição vertical. A textura macia dos lençóis. O tabuleiro com abas de levar à cama mesmo que se feche sem querer e o sumo cubra a colcha de laranja. O espaço no armário. Até o lugar dos sapatos que se calçam uma vez por ano. O espelho que nos duplica o corpo inteiro. As plantas mais as suas exigências mudas. As recordações trazidas das viagens. Os livros sublinhados a lápis, os discos impossíveis de ordenar. As cadeiras. As almofadas das cadeiras. A posição dos quadros e os quadros das paisagens com as molduras das janelas. As visitas obrigatórias da chuva. A televisão apagada num canto da sala. A música normalmente a tocar. A desarrumação organizada da minha secretária mesmo que eu goste de tudo no lugar. As portas e as incontáveis vezes que as abrimos e fechamos. E todas as manhãs a última peça a vestir a ficar gravada nas coisas. Mais tarde, o aroma do jantar a entranhar-se. E a casa vai-se alterando com o tempo. O tapete afiado pelo gato. A marca dos corpos no sofá. As cores levadas pelo Sol. Um silêncio a instalar-se melhor. Também vão aparecer rachadelas na parede e humidade no tecto. Faz parte. E vivemos bem assim. Mas um dia vem uma vontade tremenda de fazer pelo outro e, onde quer que estivermos, nunca mais nos sentimos sozinhos porque enfim chegamos a casa.