Há coisas que não têm maldade nenhuma. Já falei de o facto de se dizer «coisas» não trazer maldade nenhuma e outras há. Muitas mais. Tantas iguais inocências. O mundo é em tudo um tanto. Por exemplo, vou a caminhar descalça na praia e o mundo são inúmeros grãos. Ou, um búzio encostado ao meu ouvido, olho em frente e o mundo todo é o mar. O banquinho de madeira, vazio, e não é possível saber quantas pessoas já ali se sentaram. O mundo é todo esse passado de tempo e de gente. Mas já é tarde. Arrumo as minhas coisas. Deixo quase tudo para trás. Ouço o apito do comboio e dali a minutos sei que o mundo será uma sucessão de paisagens. Rápidas, muito rápidas. Tenho a mochila cheia de memórias. Cada peça uma história, com uma textura e um cheiro. Levo roupa para o frio, porque nunca se sabe. Ora faz calor, ora a noite vem ferozmente apertar-me os ossos, fazendo-me curvar. O mundo um tanto de poderes fortes. E a seguir vou mais longe. Aperto o cinto, vai daí aquele esforço inclinado no momento de levantar e o mundo é um tecto visto de cima com copas, telhados, uma geometria de caminhos, e até o mar de repente em silêncio: só uma página azul. Distante, muito distante. E nisto descalço-me e sinto areia entre os dedos dos pés. Apesar dos banhos que tomei. O mundo preso a nós. E agora vou estar aqui até aterrar. Tenho é vontade de comer qualquer coisa fresca. Vontade de subir a uma árvore. De ser criança e poder fazer o que nunca fiz. Vontade de ser ainda mais feliz. Como putos a roubar maçãs.
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
sábado, 19 de outubro de 2013
Time Flies (vs. Kinetic Sculptures)
A propósito dos últimos posts relacionados com a Holanda e, lembrando-me da maravilhosa obra de Theo Jansen (também ele natural de Scheveningen, Haia, onde fotografei o arco-íris e a face esculpida de Igor Mitoraj), trago agora as esculturas cinéticas tridimensionais de Anthony Howe que merecem a máxima atenção.
Por exemplo, esta face cinética atravessada pelo vento parece ter sido esculpida em simbiose com a natureza, como se os cem pequenos painéis de metal, movidos independentemente, lhe impregnassem vida, através das expressões que, conjuntamente, se conseguem visualizar. Esta semana o colectivo The Creators Project deu visibilidade a outras estruturas de Howe.
No anterior vídeo são prestados - por este artista - alguns esclarecimentos relacionados com a sua inspiração para a realização do trabalho hipnótico. Tendo iniciado o seu ofício na pintura, Howe revelara-se "entediado com tudo o que estava estático no mundo visual, que queria ver a fluir". Pelo que decidiu desenvolver os seus projectos em 3D, através de programas de animação, dando uso ao material de que dispunha por meio de maquinaria integrada de corte em metal curvado. Como resultado, criou as esculturas cinéticas eólicas. E há mais peças a seguir, ao som de Erik Satie:
Agora, depois de décadas de trabalho, Howe revela que tem planos para criar a maior escultura cinética em todo o mundo (com cerca de 25 metros de altura) mas até lá a competição intensifica-se e a tecnologia caminha a passos largos porque a luz e a cinética já andam de mãos dadas a puxar por um futuro que se espreita cada vez mais próximo. Os inventores são os WHITEvoid e o vídeo Kinetic Lights DMX é uma amostra do que já não se pode perder.
E embora o horizonte tenha muito mais artifício, a luz vem de trás: afinal, tudo começou quando friccionamos as duas pedrinhas... mas o tempo voa.
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
Smile
Sobre as evidências que expressamos no rosto, serão essas da responsabilidade do Sol, poderemos atribuir-lhe (ou à temperatura) a não constância dos nossos humores? Será culpa do andar da vida, do não andar, ou do achar que a vida não anda? Será um dever político, «daqueles do governo» comporem-nos os problemas ao ponto de um conforto de poltrona? Poderá tratar-se de um encargo externo, algo a empurrar-nos os músculos para o lado que mais nos convém, ou não convém, ou que achamos que nunca nos há-de convir? Se calhar também respiramos porque à nascença nos implantam um micro-circuito qualquer que nos permite estar vivos. Ou, porventura, somos só nós que somos donos de nós próprios. Convém esta liberdade de sabermos que estamos entregues a nós mesmos. E então podemos escolher determinar os nossos passos e esquecer as fugas infinitas que fazemos aos espelhos do presente. Mas também podemos ficar um pouco ali, em frente a nós, a aprender a gostar do que espelhamos. A ver como somos bonitos, ou, se muito modestos, a reparar como a natureza é sã e aplicada na sua função criadora. O nosso rosto diz muito sobre nós. Uma expressão é muitas vezes a ilustração de um sentimento. Não me importa a dimensão dos vincos, a parte em que os olhos ficam mais pequeninos, ou se as maças do rosto se elevam. Gosto mesmo é da expressão e de descobrir o sorriso. E há pessoas que sorriem sem moverem um milímetro de pele.
Mas este blog é sobre música e eu nunca me esqueço disso. Gosto de falar sobre canções e, a propósito deste texto, todas as manhãs quando ouço o despertador, acordo com o Sol dentro de mim, nesta maneira particular de sorrir:
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Thsuki-no-hikari by Igor Mitoraj, nas dunas do Museum Beelden aan Zee, Den Haag (c/ Panasonic DMC-G5) |
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Water From the Same Source
Já algum tempo que não falava sobre o arco, na verdade foi em Junho que aqui disse acerca dele, mas hoje de manhã em Scheveningen Boulevard voltou a surpreender-me. Demorei algum tempo a retirar a câmera da mochila. As cores perderam um pouco a intensidade. Detive-me a olhar em frente. Hesitei entre ficar expectante ou levá-lo comigo. Não conseguia apanhá-lo inteiro. Escapava-me o efeito completo devido à minha proximidade. Tirei duas meias-imagens. Esta é uma das duas.
Não sei se tocaria a areia. Talvez soerguesse lá de dentro um quase idêntico semi-elo, mas um pouco maior, abraçado pela terra. Não sei se dentro da areia as cores também nascem como vejo crescerem no ar. Não sei se o Sol se entranha dessa maneira. Não sei se a água se resgata por dentro do chão, mas aquela que chovia era a mesma do mar. Igualzinha à que choro quando me sinto muito viva. É uma água feita das cores que existem em nós. Porque tanto do que somos é água. O resto é uma ideia crepuscular. Com maior detalhe. Mas há-de nascer um dia um círculo. Contínuo. Que emerja da areia e se solte, primorosamente. Um arco inteiro. Perfeito. E eu hei-de ter a câmara pronta.
sábado, 12 de outubro de 2013
Ninguém Durma
No dia 12 de Outubro de 1279, Nichiren Daishonin inscrevia o Dai-Gohonzon* e, 656 anos mais tarde, nascia Luciano Pavarotti. Contam-se hoje 78. Nessun Dorma (em português «Ninguém Durma») é a famosa ária, belíssima, composta por Puccini, que corresponde ao útimo acto da Ópera Turandot, que Pavarotti interpretou na sua última apresentação ao vivo, acontecida em 2006 por ocasião da abertura dos Jogos Olímpicos em Torino. Nesta anterior versão (1996) Pavarotti teve a companhia de vários outros artistas (Dolores O'Riordan, Bono Vox, Meat Loaf, etc.) num concerto de angariação de fundos, realizado em Modena, pelas crianças vítimas da guerra da Bósnia. E, de entre este grupo de amigos, é Michael Bolton quem em nome de Caláf, o príncipe desconhecido, termina magnificamente gritando que o pedido imperativo da princesa Turandot terá sido em vão, pois ninguém conseguirá descobrir o seu nome e ele vencerá.
O tenor italiano produzia anualmente estes concertos beneficentes intitulados "Pavarotti & Friends". Em 1980 esteve ao lado de James Brown, com This is a Man's World apelando na sua língua madre ao «L'uomo rincorre il potere» terminando a concordar que «se non si accorde che poi nulla ha più senso se si vive solo per sè solo per sè», onde parece dirigir-se aos homens que perseguem o poder: «Acordem, porque não faz sentido que estejam a viver só para vocês mesmos», no entanto, só em 2001 cantaria o Perfect Day com Lou Reed. O que é incontestável é que a música tem um poder imensurável, importantíssimo. E é através deste canal que personalidades gigantes tentaram, quiseram e continuarão a querer mudar o mundo para melhor. O ideal era que ninguém dormisse perante estes esforços.
Um outro dos muitos duetos improváveis relacionados com esta finalidade filantrópica criada por Pavarotti aconteceu em 2000 ao lado da Skin (Skunk Anansie), e desta vez os fundos foram direccionados para o Camboja e para o Tibete, através de You'll Follow Me Down cuja letra não foi escrita para dar sentido a este texto que agora escrevo. É claro que podemos relacionar tudo como quisermos. Eu até acho que tudo está ligado. É muito fácil (pelo menos para mim) abrir uma argola e encadear mais um elo à corrente. Espero que me sigam e que ninguém se deixe dormir. É meia-noite. A que horas será a noite inteira? O tal tempo de acordar. Vá, acordem... Pensem nos outros. Os outros também somos nós. Já temos a receita de Pavarotti. Há muitas mais. Vão ver que um coração cheio é a maior riqueza da vida. De certeza que já sentiram o sentido disto. Não me lembro de nada melhor do que tentar ser melhor que ontem. E (o meu pulso diz que) ainda não passou um minuto desde que o dia mudou. Não durmam, é tempo de ser feliz: Nam-myoho-renge-kyo.
* Dai-Gohonzon é o objecto de devoção (no budismo de N. Daishonin) que serve para lembrar que o estado de budicidade (estado de felicidade extrema e inabalável) só pode ser encontrado dentro do coração de uma pessoa e não exteriormente, por isso, cada um deverá acreditar no poder da sua vida e para isso actuar em prol da paz mundial e da bem-querença de toda a humanidade.
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