«Tempo calmo, com vento fraco e mar tranquilo» assim diz o Houaiss. Mas o céu está em preto e em branco e desse cinzento cai uma chuva miudinha. Parece-me que o Inverno chegou sem obedecer ao calendário. E o que poderão interessar à Natureza tais convenções do papado de Gregório XIII? Que verdades acima do vento, do tempo, dos meses, da irregularidade dos dias de cada mês. Que noções feéricas, ancestrais, sobre a temperatura que a terra contém. Ditaram antes as árvores, mudando de botões de punho. E as folhas amarelecidas foram mirrando enquanto secavam, adventícias. Os passeios abandonados de Outono surgem agora lavados de fresco. Já não ouvimos os nossos passos da mesma maneira. Trocaram-nos as voltas para olharmos mais ao longe: experimentarmos o azul talássico do Atlântico; ou a neve alta dos Países Baixos que esconde todas as outras cores. São horizontes de bonança. A música tem uma batida imarcescível, contrária às folhas, contrária ao Outono. Acho que este Inverno terei um coração mais quente guardado no peito porque (mesmo que os meses demorem a passar) eu sei que esticarei o meu braço sob o nosso guarda-chuva quando virarmos a esquina de Abril.
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
domingo, 15 de dezembro de 2013
Self-Portrait in Three Colors
O Filipe e a Rute criaram em 2012 o Silverbox Studio. Abrem-nos a porta para uma viagem no tempo e permitem-nos assistir a todo o processo. Utilizam o Ambrótipo, negativo de vidro com uma solução bem espalhada de colódio húmido, que mergulham em nitrato de prata durante poucos minutos para a realização dos retratos intemporais. Tudo parece pensado ao detalhe: desde a câmara de época (1850) à atmosfera singular, não esquecendo o pormenor do encosto de cabeça para nos permitirmos ficar ali, bem quietinhos a segurar uma expressão durante 6 segundos.
Segue-se a revelação no laboratório de câmara escura através de um banho de sulfato de ferro e consequente lavagem. O resultado ocorre através de fixação com cianeto sobre uma chapa metálica. A imagem converte-se em positivo. É a altura mais especial. Depois, a chapa é novamente lavada e seca à chama da lamparina, até ficar quente. Por fim é envernizada e colocada num envelope. Em casa tira-se do envelope. E sob a chapa aparecemos a preto, a branco e com aquela outra cor sem nome que cada um tem de sua.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
No Diggity
As versões das canções são algo de extraordinário. Não haja dúvida. Assim como as asas invisíveis dos sapos ou as espirais que agarram as folhas aos cadernos. Mas a mim parece-me que só na música é possível vestirmos a farda do outro e fazermos o trabalho dele à nossa maneira e à nossa vontade. Depois, haverá quem goste e quem não goste. É só mais um valor a favor da linguagem sonora. E, claro, das artes. Mas agora não me estou a cingir à música, estou a evocar também a escrita literária, a pintura, a escultura, a arquitectura, a fotografia - embora neste ponto tente não me lembrar da Sherrie Levine em "After Walker Evans" -, e a continuar por elas adentro, naqueles espaços aconchegadinhos onde me sinto muito bem. Ou por elas afora, estendendo a cortina até outras profissões: por exemplo, noventa por cento do trabalho do ortodentista é artesanato com arame. É isto que eu quero dizer, que se tente esta perspectiva. Porque a Arte é uma parte acutilante que está em tudo. Um género de vértice que se inclina para cada direcção. Não necessariamente no sentido de cima. Já que o céu está frio e demasiado longe. E eu tenho comigo as coisas que eu gosto. E é-me fácil descobrir outras que estavam sentadas ao lado das minhas. É isto que acontece. Ligamo-nos mais àquilo que somos. Àquilo que admiramos. Assim é o amor: Admiração. Aqui não há versões, o que vai além do extraordinário, aliás, em linha recta. Entretanto, desço a persiana para (mesmo assim) dizer:
(- Chet,)
I like the way you work it.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
The Fall
Ontem fui a Monserrate. Primeiro, parei no centro de Sintra para tirar fotografias. Depois, atravessei as estradas até lá acima. Aquelas estradas estreitas de alcatrão, cheias de curvas para nos pormos a pensar se virá alguém de frente. Essas mesmas, cheias de «ésses». Ao mesmo tempo, muito largas de tudo: magia, beleza, e, principalmente, da atenção do meu sorriso. Fui cedo. No balanço apressado do carro porque eu gosto de não chegar atrasada. E não chego. Eu até gosto de esperar nessas alturas. Ocupar-me a pensar em ti. Quando já vou a passo tenho a atenção inteira para desembrulhar por ti.
Foi isso que aconteceu porque na entrada não me deixaram descer com o carro. Fui a pé até ao Monte da Lua. A seguir às escadinhas vi, naquela hora, o Palácio em frente. Tão no mesmo lugar como da última vez. Apenas com uma luz ligeiramente diferente. Ainda com mais romantismo. Numa investida de frio de final de ano, ou apenas de final de dia. Depois tive de continuar para o lado. Curioso, o monte lá em baixo. Num lugar de vale, um pouco mais para a direita.
Foi isso que aconteceu porque na entrada não me deixaram descer com o carro. Fui a pé até ao Monte da Lua. A seguir às escadinhas vi, naquela hora, o Palácio em frente. Tão no mesmo lugar como da última vez. Apenas com uma luz ligeiramente diferente. Ainda com mais romantismo. Numa investida de frio de final de ano, ou apenas de final de dia. Depois tive de continuar para o lado. Curioso, o monte lá em baixo. Num lugar de vale, um pouco mais para a direita.
![]() |
Parque de Monserrate (c/Panasonic DMC-G5) |
Ontem fui a Monserrate e não te vi. Mas estavas em todo o lado. Na sombra. Nas folhas. No restolhar conjunto. Ah! Eu agora parecia ouvir dizer dos Ornatos. Não foi minha intenção. Não vou apagar nem calar-me por fazermos caminhos parecidos. Afinal, a palavra é de toda a gente. E agora, por falar nisso, como eu queria ter-te ouvido ontem. Nas pedras ao lado das que eu calquei. Embora eu nunca me sinta sozinha. Não sei se te diga que ontem não era Verão. Nunca é Inverno depois de te imaginar comigo, nem mesmo em Dezembro. Na verdade, ainda é Outono e ainda há folhas por cair. Can you tell me the difference between Autumn and Fall? Se calhar não é importante. Como tantas tantas outras coisas que não têm importância nenhuma. Não vale a pena andarmos às cabeçadas por causa da distância. Falta tão pouco para te ver pelos olhos. Para te tocar. Para te lembrar de tudo. Outra vez tudo.
Ontem fui a Monserrate. O parque tão grande, tão cheio de ti. A Natureza abraçava-te. Com aqueles ramos todos. Corredores que me deixavam passar. Junto às figuras de tronco que pareciam explodir. Rebentar de tão bonitas. Deu para ver o barulho do tanto que pensei em ti. De achar tudo perfeito. Podia ser plasticina verde pendendo dos galhos. Não seria menos verdade. Hoje os teus postais a chegarem. Eu a ler as tuas saudades de mim. E os passarinhos do parque ontem já sabiam de tudo. Tenho a certeza.
Ontem fui a Monserrate. O parque tão grande, tão cheio de ti. A Natureza abraçava-te. Com aqueles ramos todos. Corredores que me deixavam passar. Junto às figuras de tronco que pareciam explodir. Rebentar de tão bonitas. Deu para ver o barulho do tanto que pensei em ti. De achar tudo perfeito. Podia ser plasticina verde pendendo dos galhos. Não seria menos verdade. Hoje os teus postais a chegarem. Eu a ler as tuas saudades de mim. E os passarinhos do parque ontem já sabiam de tudo. Tenho a certeza.
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Taro
2:23 e a propósito de estar pesquisar a biografia do húngaro Robert Capa (Endre Ernö Friedmann) descubro que esta canção da minha preferência (dentro e fora) do repertório musical dos Alt-J é sobre a fotojornalista de guerra Gerda Taro, que morreu tragicamente aos 27 anos atropelada por um tanque franquista. Esta imagem foi tirada por ela, no seu último ano de vida, ao companheiro e parceiro de fotografia, Capa.
Dez anos depois do desaparecimento de Taro, Capa torna-se co-fundador da Agência Magnum ao lado de Cartier-Bresson, David Seymor e George Rodger. E é também num cenário de guerra que morre, pisando uma mina, aos 40 anos. As artes convergem nesta estrada: desde a Fotografia, até a música actualizar os factos. E as coordenadas do tempo e do espaço interceptam-se, fazendo um triângulo com a História. O mundo parece capaz de apertar-se, de repente estamos todos frente a frente: olhamo-nos e cumprimentamo-nos. Somos uma espécie de ângulo mais agudo do que ontem, mas equidistante. A História é esse túnel de tempo, cheio de cartazes colados indefinidamente. Há-de ser um círculo do tamanho do anel pulsante de Saturno. Eu costumava dizer que o presente não acontece: ou já foi ou será. Mais ou menos como tudo o resto. Os passeios estão cobertos de folhas secas. Para o ano haverá outras que me parecerão iguais, e no entanto... Até amanhã.
Indochina, Capa jumps Jeep, two feet creep up the road
To photo, to record meat lumps and war,
They advance as does his chance – very yellow white flash.
A violent wrench grips mass, rips light, tears limbs like rags,
Burst so high finally Capa lands,
Mine is a watery pit. Painless with immense distance
From medic from colleague, friend, enemy,
foe, him five yards from his leg, From you Taro.
Do not spray into eyes – I have sprayed you into my eyes.
3:10 pm, Capa pends death, quivers, last rattles, last chokes
All colours and cares glaze to grey, shrivelled and stricken to dots,
Left hand grasps what the body grasps not – le photographe est mort.
3.1415, alive no longer my amour, faded for home May of '54
Doors open like arms my love, Painless with a great closeness
To Capa, to Capa Capa dark after nothing,
re-united with his leg and with you, Taro.
Do not spray into eyes – I have sprayed you into my eyes.
Hey Taro!
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
Pausa (Número Seis) para Publicidade:
Subscrever:
Mensagens (Atom)