terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Taro

2:23 e a propósito de estar pesquisar a biografia do húngaro Robert Capa (Endre Ernö Friedmann) descubro que esta canção da minha preferência (dentro e fora) do repertório musical dos Alt-J é sobre a fotojornalista de guerra Gerda Taro, que morreu tragicamente aos 27 anos atropelada por um tanque franquista. Esta imagem foi tirada por ela, no seu último ano de vida, ao companheiro e parceiro de fotografia, Capa. 


Dez anos depois do desaparecimento de Taro, Capa torna-se co-fundador da Agência Magnum ao lado de Cartier-Bresson, David Seymor e George Rodger. E é também num cenário de guerra que morre, pisando uma mina, aos 40 anos. As artes convergem nesta estrada: desde a Fotografia, até a música actualizar os factos. E as coordenadas do tempo e do espaço interceptam-se, fazendo um triângulo com a História. O mundo parece capaz de apertar-se, de repente estamos todos frente a frente: olhamo-nos e cumprimentamo-nos. Somos uma espécie de ângulo mais agudo do que ontem, mas equidistante. A História é esse túnel de tempo, cheio de cartazes colados indefinidamente. Há-de ser um círculo do tamanho do anel pulsante de Saturno. Eu costumava dizer que o presente não acontece: ou já foi ou será. Mais ou menos como tudo o resto. Os passeios estão cobertos de folhas secas. Para o ano haverá outras que me parecerão iguais, e no entanto... Até amanhã.


Indochina, Capa jumps Jeep, two feet creep up the road
To photo, to record meat lumps and war,
They advance as does his chance – very yellow white flash.
A violent wrench grips mass, rips light, tears limbs like rags,
Burst so high finally Capa lands,
Mine is a watery pit. Painless with immense distance
From medic from colleague, friend, enemy,
foe, him five yards from his leg, From you Taro.
Do not spray into eyes – I have sprayed you into my eyes.
3:10 pm, Capa pends death, quivers, last rattles, last chokes
All colours and cares glaze to grey, shrivelled and stricken to dots,
Left hand grasps what the body grasps not – le photographe est mort.
3.1415, alive no longer my amour, faded for home May of '54
Doors open like arms my love, Painless with a great closeness
To Capa, to Capa Capa dark after nothing,
re-united with his leg and with you, Taro.
Do not spray into eyes – I have sprayed you into my eyes.
Hey Taro!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Pausa (Número Seis) para Publicidade:

Como vender um beijo, através de um carro?


«Le Baiser de l’Hotel de Ville», Robert Doisneau
e se eu (só) quiser a música?

(composta expressamente para o anúncio)

sábado, 30 de novembro de 2013

The Golden Age

Em homenagem à década de 80 e a todos aqueles que prometem muito para os anos que vêm, como a Matilde Campilho, o Yoann Lemoine, e outros... Porque há sempre muita gente que gostaria de ter tido o privilégio de conhecer à nascença mas essas pessoas aparecem-me bem mais tarde. Ainda assim, fico grata ao acaso por estas apresentações distantes. Dizê-lo é também uma precipitação, não conheço muito o Yoann - sei que o rapaz andou esta noite pelo São Jorge -, mas em compensação, punha o meu pescoço pela Matilde. O sucesso dela parece-me evidente e justo. Não lhe conheço página «de likes» no Facebook nem nenhuma morada na web a publicitar os seus poemas. Procurei e não encontrei, salvo na blogosfera, onde outros antes de mim também quiseram mostrá-la ao mundo. A Matilde Campilho há-de pertencer ao grupo de pessoas que não precisam muito (ou, provavelmente, não precisam nada de nada) de montras para acordar de manhã com aprovação externa. Quem entende de modéstia está muito consciente disto. A Matilde é poeta, ocupa-se das palavras, e eu já assisti a alguns vídeos onde dita poesia de uma maneira que me faz sentido. Penso que ressoará da mesma natureza a quem tiver que entender isto com similar plenitude. Como se ela escolhesse palavras para colocar dentro de um saco escuro, alguém sacudisse o saco diante de mim e eu encontrasse ali as palavras que acharia mais certas se tivesse sido eu a escolhê-las. No entanto, sabendo que, se esse episódio tivesse efectivamente acontecido, eu jamais acertaria naqueles vocábulos exactos por razão de a fonte ser tão vasta que eu não acreditaria em coincidências. Mesma conversa se fosse eu a podar o bonsai, se fosse eu a fazer o arranjo de flores... Quando gosto do resultado da obra que o outro faz, fico quieta a apreciar porque sou igualmente feliz. Existe uma palavra do Japão que serve para expressar a beleza encontrada na simplicidade das coisas. Essa palavra é «wabi». E «wabi» é a luminosidade que se reflecte depois de a Matilde dourar as palavras, e eu as encontrar naquela sua ordem. 


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Life Is Sweet

Anos a trocar ideias sobre música por aí, nos trilhos da minha vida, cruzando-me com tantas outras e nunca encontrei uma criatura que me dissesse que também delira com esta música: Life Is Sweet. Existe uma outra versão mas prefiro a original. Tem mais amplitude de frequência. Pertence ao meu grande grupo de canções para ouvir em viagem. Mesmo que só vá descer a Infante Santo, desconfio que se me buzinarem irei ficar-me pelas guitarras e pelos na-nana-nanaaas da Maria. Mas é assim a vida: sweet. Apetece-me gritar que assim é: com altos e baixos, no seu círculo vicioso, com frio e com sol, com madrugadas e noites, com passado e presente, com muita novidade, muita rotina, desejos, inquietações, dúvidas, alegrias, grandes surpresas, palavras, poesia, mar, música, beijos, abraços, muito ar bom de respirar futuro e ainda mais vontade de cantar bem alto: Life is sweet/ Bittersweet/ And the days keep rolling along. 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Soul to Squeeze

Sempre adorei a palavra «squeeze». Tem mais som do que a maioria. E gosto desta palavra, não pensando no seu significado nem no idioma, somente na fonética. Há ali o efeito arrastado do «é» duplo que parecem três ou quatro siameses. Até poderia ser uma mini palavra encaixada em outra que só contivesse a letra «é». Uma coisa que se não estranharia se fosse dita por animais, embora lhes escapem as consoantes. Como o balido das ovelhas ou algo semelhante ao bufar do gato. «Squeeeeze». Escorrega-se ao dizê-la e a boca (ou mesmo a expressão facial) chega a demorar-se no momento em que o sorriso tem o comprimento e largura certos. Quando digo certos, refiro-me ao ponto em que o sorriso cintila: não se força a crescer, artificioso; nem se reduz, apagando-se. Fica ali no limbo - octingentésimos de segundo: eeeeeeeeeeeeeeee -, entre a emoção e a compreensão. Depois reconheço o sentido da palavra e assalta-me o seu significado. Afinal, não era um animal que a dizia. E não era a tradução que me apetecia ouvir. Porque faz-me pensar em pescoços, cordões, no cinto, depois em laranjas e em limões, mas nunca em almas. Não querendo falar pelos outros penso que a Diane Arbus iria gostar disto:

terça-feira, 26 de novembro de 2013

The Party

Ninguém tenha dúvidas sobre a capacidade de sentirmos a vida do interior para o exterior. «Fazer a festa» tem pouco que ver com organizar eventos a pretexto de... (bem, talvez de tudo), e receber pessoas, gente, muita gente, muita além da necessária. (Às vezes parece que a multidão mascara o vazio, parece.) «Fazer a festa» não é uma desculpa para carregar na maquilhagem, nem para prestar maior atenção ao pormenor: o glamour da roupa nova, tornar o dia especial. Todos os dias são especiais. É isto: Todos-os-dias-são-especiais. Agora, por escrito: cento e três vezes na ardósia. Em caixa alta: Todos-Os-Dias-São-Especiais. Cento e três, justamente, para não me reduzir ao cem de todos os dias. (E o que será isso de ser diferente? A Annie Leibovitz declarou que nunca pediu a ninguém para sorrir antes de disparar a câmara. Penso que poderá ser isto, o tal «ser genuinamente original». Eu já não vou a tempo de afirmar o mesmo.) Por isso, façam o favor de sorrir e, já agora, façam também o favor de «fazer a festa»: pegar na mão, levá-la ao «objecto», e passeá-la, corrê-la no «objecto». Instalar-se-á uma felicidadezinha de balão a encher. Nem sempre é possível fazer isto. Levar a mão. 

Out of Africa, Lisboa
(c/ Panasonic DMC-G5)
Então, olhemos à distância, segurando aquele momento. Como eu ali há uns dias, de poltronas nas pálpebras. Lembro-me de estar a sorrir aturdida pela vontade de esticar a minha mão. Uma mão que esticado o braço não chegaria. E a vontade passa a ser a de me demorar naquilo porque o coração está cheio. Tão cheio. De maneira que consigo tocar no «objecto» porque sinto isso por dentro. Há coisas que não têm de ter explicação. Gosto mesmo muito de animais. E foi tão bom quando o Sol de repente veio cobri-los. Cheguei a pensar que ia faltar à festa mas, a minha mão a agarrar em cheio aquilo tudo: o mundo em rotação e naquele quadro (sem tempo e sem espaço) uma beleza muito pura de savana, o Sol a acomodar-se, a tranquilidade da vida, aquele presente muito presente, o futuro a parecer muito vivo e aquela certeza inteira de sentir (muito mais que cento e quatro vezes) que todos os dias são mesmo especiais.