sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Angel By The Wings

Esta semana, os incêndios continuaram a calar as serras. Calar, porque o vento não pára para falar com árvores sem folhas. Nem as folhas se desprendem em danças com o fogo. O Outono parece deixar de ser Outono. Agora em cinzas, depois do fumo que nos mudou a cor do céu até aqui. A Natureza ocupa-se em levar as cinzas para dentro da terra ou para dentro do mar. Mas um fogo até pode ser bonito: 

se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes
são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te
diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos

e adormece sem lágrimas – com eles no chão

E pedes aos anjos para murmurarem essa última canção. Depois, talvez alguém a enviar-nos a chuva. Ou os teus antepassados a pedirem a Deus essa chuva. Ou eu, com a força toda do mundo, sem acreditar em Deus, acreditando em mim. Ou tu. Porque seja o que for que venha, podes pensar que o tempo resiste sempre ao vento e tu, enquanto estiveres acordado, sabes que nunca haverá uma última canção. Look up, call to the sky/ Oh, look up and don't ask why, oh/ Just take an angel by the wings/ Beg her now for anything/ Beg her now for one more day/ Take an angel by the wings/ Time to tell her everything/ Ask her for the strength to stay./ You can do anything. Então pelas árvores que ainda temos, pelas folhas que esperam o vento passar, e, enquanto a chuva cair, devemos continuar a dançar.