Ainda é um bocadinho Natal e esta canção, cinematográfica, não tem barreiras de tempo. Como os retratos em branco e negro a música de Sakamoto é inescapável. Quero dizer, ouço uma vez, ouço repetidamente e a beleza subsiste-lhe, imutável. Acontece-me senti-la desta maneira. Não invejo quem não tem esta consciência ou sensibilidade. Há em mim um sentido mais profundo e designado diverso dos cinco com que todos nascemos. Penso que tenha mais que ver com as viagens marsupiais e com o ambiente em que nos movimentamos durante o crescimento, e menos com as características com que nos formamos nas barrigas maternas. Esta música é uma narrativa em que apetece trautear «naNananana-naNanana-nananana». Entre a alegria que isto dá cosida na pele e a verdade do quão completa é, em querendo acrescentar-lhe atributos onomatopaicos, pretendo apenas adentrar-me no seu submundo. Há músicas que têm uma dimensão muito nossa, sabemos pertencer-lhes. Regeneramo-nos com a ternura das épocas festivas, com o carinho do pequeno-almoço levado à cama, com o amor das coisas que prendem, e até com o medo do escuro. Porque as luzes e as fés interligadas quando tudo iluminado de palavras. Há, nesta canção, mãos extasiadas tocando poemas ao piano. Ainda é um bocadinho Natal porque a alegria cerzida no avesso dos ossos, desunida da carne, mergulha no espírito num movimento-canção intemporal.