segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

No Fim Tudo Está Bem

E então, tudo está bem. Num ritmo de peão marchando pela sua vez. Em breve a aresta do quadrado hospedeiro. Essa recta esperta do fim do mar. E mais um número a chegar pelas patas dianteiras agarrando-se ao tabuleiro. Que maravilha, tudo no lugar. Os lençóis brunidos cheirando a lavado. As compotas fechadas nos frascos. Meio planeta dentro do mundo inteiro. Os cubos de gelo, as garrafas, as flute, a energia por gastar. E tudo perdura. O chã quente ainda ocupando a travessa. Segredos e sabores mantendo-se secretos. Palavras ousadas com pressa de se dizerem. Uma flor demasiado madura no centro da mesa. Tudo decorrido. Tudo polido. Tudo arrumado. Até o vestido. Falta a hora de colocar o fato e apertar a gravata. Esquinas empuxadas, curvas em tons prata. Ergue-se do mar um farol que ferve. Como tudo deve. E tudo está como está sempre. É a magia das chamas que anunciam Janeiro. Agarram-se doze peças desenvoltamente seguindo em frente. Só falta uma noite para o ano velho acabar. As ruas vão encher-se de gente. No fim está tudo bem./ Haja quem possa contar.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Conversa de Fim de Tarde Depois de Três Anos no Exílio



eis 
o novo 
vídeo-poema
/publicado ontem\
 da Matilde Campilho
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É Feio

Penso que ainda ninguém se lembrou de realizar um vídeo para esta música mas aproveitando outro embalo, há no SoundCloud mais coisas bonitas para ouvir a seguir. Particularmente acerca desta faixa - que me foi apresentada há uma série de anos e pela qual sempre nutri uma ideia de gostar muito especial -, a letra fala de separação, indiferença, rejeição e saudade. Aliás, é bem mais simples que isto e basta ouvir uma vez a canção para perceber. Na verdade, existe uma palavra russa para significar o sentimento de alguém de quem já se amou mas de quem já não se ama: a palavra russa é «razblyuto» e toda a gente sabe que a amizade é coisa mais descomprometida. Mas sobre este sentimento, dizê-lo através de um vocábulo sucinto embrutece o diálogo, é como apontar o dedo: É Feio.

Across The Universe

Nada mudará o meu mundo. Diz o estribilho, vapor de pauta. De outros quadrantes chegam-me conchas vazias. Esgotara-se o mar para o rés das águas, descidas dos andares altos das vagas. Nada mudará o meu mundo. Não me distraio. Nem um suspiro a mais. A terra está humedecida. As portas fechadas. Lá fora, há músicas vivas nas molas das folhas que ainda pendem desenvoltas nos galhos e dentro das fendas dos troncos e em volta do ferro das trancas. Nada mudará o meu mundo. Eu aconteço como sou e quero a minha vida. Nem meio suspiro a menos. Esquivando-me do canto malfadado que grassa e das nuvens que tapam o céu de branco, retardando o meu azul. Nada mudará o meu mundo. Há palavras boas para apanhar, sílabas que ressoam a ilhas povoadas de boa gente. Como há palavras agrestes, erva pisada, e nevoeiro que se arrasta. Nada mudará o meu mundo. Há reflexos do Sol nos escadotes de madeira e sombras que trepam paredes. Prefiro confiar, esquecida da trovoada. O fuso da roca perdeu a agudez, encostado a um canto. As árvores continuam de coração cheio: há música a sair-lhes pela seiva com a gravidade a puxá-la. É que nada mudará o meu mundo e o mantra «Jai Guru Deva Om» é tal-qualmente eficaz como outro refrão qualquer. 



sábado, 28 de dezembro de 2013

Merry Christmas Mr. Lawrence

Ainda é um bocadinho Natal e esta canção, cinematográfica, não tem barreiras de tempo. Como os retratos em branco e negro a música de Sakamoto é inescapável. Quero dizer, ouço uma vez, ouço repetidamente e a beleza subsiste-lhe, imutável. Acontece-me senti-la desta maneira. Não invejo quem não tem esta consciência ou sensibilidade. Há em mim um sentido mais profundo e designado diverso dos cinco com que todos nascemos. Penso que tenha mais que ver com as viagens marsupiais e com o ambiente em que nos movimentamos durante o crescimento, e menos com as características com que nos formamos nas barrigas maternas. Esta música é uma narrativa em que apetece trautear «naNananana-naNanana-nananana». Entre a alegria que isto dá cosida na pele e a verdade do quão completa é, em querendo acrescentar-lhe atributos onomatopaicos, pretendo apenas adentrar-me no seu submundo. Há músicas que têm uma dimensão muito nossa, sabemos pertencer-lhes. Regeneramo-nos com a ternura das épocas festivas, com o carinho do pequeno-almoço levado à cama, com o amor das coisas que prendem, e até com o medo do escuro. Porque as luzes e as fés interligadas quando tudo iluminado de palavras. Há, nesta canção, mãos extasiadas tocando poemas ao piano. Ainda é um bocadinho Natal porque a alegria cerzida no avesso dos ossos, desunida da carne, mergulha no espírito num movimento-canção intemporal.



This Mess We're In

Quase catorze anos passados desde a edição desta faixa com o álbum Stories From the City, Stories From the SeaPolly Jean e Thom Yorke, brincavam com helicópteros. E porque as cidades (e também o mar) contêm inúmeras histórias, esta é uma melancólica procura da perfeição. Ficaram os barquinhos alinhados na água e as árvores perpendicular e ligeiramente longe da costa, escrevendo-as. Enquanto isso, «The city sunset over me.» (E o que dizer entre aspas voltadas ao contrário, com tempos invertidos?, acrescentem-se os parênteses enquanto penso.) «You look me/ In the eye directly.» Olhas para mim, directamente nos olhos. Falas de outras cidades como porto de futuro. Olhas-me nos olhos e sinto que a minha vontade pesa. Tu dizes que pesa e eu sei que a confusão é nossa. Ainda ontem fomos ver a cidade em lego. Gostaste tanto da manchinha de espuma feita com pequenas peças transparentes. Mas as cidades não estão numa vitrina de passagem, estão cimentadas e empedernidas a distâncias por escolher. Quando eu era pequenina, o meu pai (muito muito alto) levava-me pela mão e eu era um peso oblíquo. Parecia que andava meio a voar. Não levitava como os «objectos» que a Natsumi Hayashi utiliza, porém, era um caminhar bizarro, só um dos pés assentava no passeio, o outro dançava numa espécie de ponta num jeito mal equilibrado. Depois eu cresci e tu também cresceste e o caminho agora faz-se (às vezes sobre o chão) a quatro pés, juntos. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Bambi

Em querendo a metáfora do tempo: um bambi. Mas segundo as regras de composição: não fazer crop às extremidades. Mesmo que não me queira lembrar eu sei que devo fazer assim e assim. Fazer assim (em regra). Eu sei o que vou aprendendo, depois vejo acasos de mestria que não seguem regra nenhuma. Como a alvorada, e tantos exemplos de exercício humano reconhecido. Nunca gostei de imposições e por causa disso o meu amor às palavras e o meu desapego aos números. Às vezes ainda acho que me formataram o raciocínio e eu era capaz de atravessar a galáxia contar todas as estrelas para a seguir dizer: desculpa, mas não acho mesmo nada importante esta sabedoria finita. Há tantas delícias que me fazem o dia. Por exemplo, a forma tremenda dos animais olharem para os nossos olhos, e a luz a incidir sobre certas horas. E se as nuvens não se afastarem, então, que chova, até acho um final de tarde bonito, ficar a pensar que bom estar a chegar a casa. Importa-me que cada um grite aquilo que espera da vida. É a gritar de punho cerrado que sabemos o que queremos. É nos gritos que nos vemos como somos. E é no tempo que gastamos a viver que escolhemos o que queremos ser. Pouca-regra-pouca-regra-pouca-regra (o comboio dos sonhadores segue com um «guê» em vez de um «tê»). O tempo é o nosso lastro. Podemos desperdiçá-lo a reviver o passado, ocupá-lo tal-qualmente ou usá-lo a planear o futuro. Eu sei que quando escrevo tenho a voz muito mais doce. Se calhar grito em tom de assobio porque me sinto feliz. Mas assim sou eu, aqui, agora, neste instante, espelhada nas palavras, nesta pausa em que o cervo me viu.
Bambi, Lisboa 
(c/ Panasonic DMC-G5)
(...) Bambi fly. 
Today is living
We're able to continue
'Cause the world
It's still breathing
It's good to be here with you

I am here
You are here
And today
Today is forever
(...)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

47 Seconds Are Enough If You Only Have One Thing To Do

Os ambientes aquecidos recebem-nos sempre bem. O ano a terminar. Não há muito para dizer que não haja já sido dito, a seu tempo, a seu ritmo, a seu cabimento. Mas a altura de nos abraçarmos abrilhanta-se com o vermelho do Natal. Ainda não é hora de voltar as costas a 2013, mas sim de olhá-lo profundamente. Pensar em todas as boas decisões mesmo que possam ter parecido más. Já que nunca nada é escrito em preto e branco, nunca nada é resumido a palavras consabidas e a palavras caras: por que cada nota faz o seu lugar na musicalidade da língua e nas pautas que o tempo contém. E às cores do meu ano vejo-as tornarem-se mais quentes, mais ricas de palavras, mais fortes de aromas. Cada vez mais minhas. Está a ser um Inverno-cachemira, que parece embalar as estações seguintes. Minuto a minuto. Quarenta e sete segundos e mais treze sem sombra nenhuma.


I don't think it's my time.
I don't think it's your time.
Just turn around and take me
and take me
and take me
and take me.
I don't think it's my time.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Perth

Este blogue é também para ir colando poemas. Ainda que eu não venha muitas vezes carregada com as linhas comprometidas para essa função. Uma coisa é aventurar-me pela web a agarrar aquela música que quero. Outra, é ir dentro de mim onde só eu moro e puxar esses versos muito acertados, sentir-me bem com a música que irradiam e a seguir, partilhar a poesia. Isso acontecer é mais difícil, claro que é mais difícil. Puxo de um lado, começo a ter as primeiras palavras para dizer e soltam-se-me outras dentro da pele. Perco-as. E primeiro que tornem a sair... Antecipam-se outras novas, claro. Fazendo-me esquecer as primeiras, as mais tímidas. Sabe-se lá por mais quanto tempo entre as artérias, ou abraçadas aos ossos para não saírem cá de dentro. Pois não há-de ser muito diferente a corrida aos óvulos: tanto falhanço junto, meu Deus. Já pensei tentar ir buscar as palavras que eu preciso aos centros comerciais ou às lojas tradicionais da minha rua. Ando a ver se as encontro. Mas não as vejo nas prateleiras. Há os códigos de barras. E eu já me cansei de números e letras no mesmo binómio. Então dirijo-me ao balcão. Mas há coisas que ninguém vende. E se peço por palavras, por poemas, vêm dar-me outras sugestões. Obrigada a todos, mas não são os meus poemas nos livros dos outros. Por isso, os meus ainda são, às vezes, as minhas fotografias. E eu gosto disso. Tantas cores para inventarmos palavras. Ou se tiver sorte. Muita sorte, como tantas vezes tenho, eu ponho as fotografias e as minhas palavras racham-me os poros para as espreitarem. Vou apanhando algumas e quase escrevo poemas com elas. Às vezes até as letras soltam os minúsculos dedos umas das outras, quebrando-se o elo. Queria escrever Poesia e elas ditaram Perth. (Nem merece a etiqueta.) Das seis letras comandei só duas e não sei aonde foi parar a sexta, mas de repente acho que cheguei à Austrália.

Le Mystêre des Flamants

Duas aves que se misturam, não bem uma metamorfose mas uma interacção simbiótica, num quingentésimo de segundo de exposição. Se calhar tive sorte. Muita sorte.

Simbiose, Lisboa 
(c/ Panasonic DMC-G5)
Este álbum (Arrival of the Birds) dos The Cinematic Orchestra, não destoa da imagem. Acho uma boa conjugação. Por outro lado, podia tê-lo guardado para um momento de publicidade mas ainda não encertei o Acqua di Gio. Está para breve. 


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Clint Eastwood

Mais uma canção para me redimir dos mesmos de ontem. E uma fotografia do (meu) arquivo para adocicar o post e optimizar recursos: uma corda, primatas numa pose de equilíbrio, e o céu todo contente embaciado por uma nuvem. Que momento mais do que perfeito, algures muito perto do rebuliço da cidade. Só falta tocar uma canção e levá-la ao colo até aos desertos com silêncio que pasmam areia longe do mar, levar essa canção a esses, ignorantes do barulho bom que as ondas fazem à chegada. E falta colocá-la no carrinho e carregá-la para fora de mão, no lugar das planícies vivas onde o vento recalca as rezas dos pastos de cor verde. E falta ainda subir às palmeiras, rachar os cocos porque todas as partes do mundo merecem ouvir.
  
Xis, Lisboa
(c/ Panasonic DMC-G5)
Não sei por que os Gorillaz intitularam esta faixa assim. Mas é um cativante hino ao futuro e à boa disposição, nessa lógica inevitável ditada pelo ritmo da música dos cowboys. A intenção da fotografia e a intenção da canção são uma e a mesma. A inter-relação de tudo isto (ao lembrar-me de Clint) é arrebitar a atenção e a memória para o sample da banda sonora de Ennio Morricone em The Good, The Bad and The Ugly. É certo que voltarei a isto, e ao faroeste, mas por agora, o single de estréia editado pelo grupo em 2001:

Do You Know Me Now?

As horas de me deitar fora-de-horas. As a que me levanto. O lugar do meu champô de argila. Os meus ganchos, os carapuços. Os meus auscultadores (ainda sobre o meu cabelo). A cor que gosto mais de vestir, ou a não-cor, pois dizem que o preto (k de key, a base do sistema subtractivo CMYK) é cor ausente. Os Moleskine e os caderninhos iguais que não o são. Os meus temas preferidos para escrever. E para ler, os meus assuntos de eleição. A sonoridade dos poemas que não rimam. As minhas fontes de motivação e todas as outras que não inspiram. Os meus objectos mais vezes pensados para fotografar (mas comprar as coisas deixou de me interessar). As lapiseiras de grafite colorido (cor-de-laranja, cor-de-rosa, que eu não sabia que existiam antes de me dares). Estava a tentar não te dirigir este texto. E os gatafunhos que escrevo a correr (até para mim difíceis de ler). O itálico e o negrito. As minhas aspas. A minha música. As minhas tardes. O espaço. O cheiro como sinto a vida. O meu perfume (o que gostava mais e acabou). O líquen na estrada e toda a sensibilidade para o mundo. (Fotografá-lo e pintá-lo e simplesmente olhá-lo). E eu olho. Gosto. Pisco-lhe um olho. Faço uma pintura virtual. E mantenho guardado todo o material. (Bisnagas de tinta, pincéis, poliestireno expandido para fazer de paleta). Hei-de dar uso a tudo numa tela catita (um Jackson Pollock mas à minha maneira bendita). E dadas as graças, as horas de almoçar. Os meus gostos de comida (indiana, vegetariana, italiana e é verdade: churrasco com batatas fritas, ou então, qualquer coisa para mim e o teu robalo grelhado só para te ver feliz). Estava a tentar mas não consigo delinear este excesso. Como escolher uma flor se não me decido por espécie nenhuma. Rewind. (Do princípio). As horas de me deitar fora-de-horas. As a que me levanto. A cor que mais gosto de vestir. As leggings todas iguais e a carteira de couro até me cansar dela. O meu verniz cor-de-vinho. O meu necessaire sem fundo (só mais um frasquinho). E entretanto, fez-se noite. Só pisco o olho a quem gosto, mas ninguém está a ver: do you?

Hong Kong

Quando (hoje) cheguei a casa, fui a tempo de ouvir o final da emissão do Comércio Livre (e porque é quarta-feira, uma das escolhas da Discolecção) e fiquei surpreendida comigo. A razão é terem passado 7 meses de cumprimento activo neste blogue em 93 macias publicações e, só hoje, aqui apresentar uma das minhas bandas de culto: Gorillaz. Há uma linguagem caricatural envolta desta banda co-formada por músicos virtuais, na verdade, cartoons. Se não estivesse com tanta pressa para divulgar (agora) este tema, faria uma crítica musical aos Gorillaz, em tom tremendamente homenageador ou, às tantas, apenas dedicada a Damon Albarn, pelo seu percurso em vários projectos musicais, sendo este claramente o da minha preferência (e reconheço que esta opinião não é consensual). Por outras palavras, e por exemplo sobre esta música em particular, a mesma tem um conjunto de instruções que motivam o meu corpo a mexer-se. E a vibração que impele é perfeitamente coerente com o meu equilíbrio. («Lord hear me now» Smile-Smile-Smile-Smile-Sorry...Smile!) Há músicas que falam por si, quase obrigam ao trivial quando comentadas por causa da sua dimensão. Eu prefiro um abraço imediato a ter de distrair-me com as flores. Faz-me sentido a ilustração ao vivo do que não consigo dizer. As palavras não bastam, é mais uma vez a tal coisa que se sente a preencher o espírito. Obrigada, Radar. Eu sairia agora de casa (hoje, neste instante, já, a caminho do Japão) só para dançar este tema, bater palmas em jeito hispânico e pensar o que eu gosto de lugares estranhos, como esta canção.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Bonanza

«Tempo calmo, com vento fraco e mar tranquilo» assim diz o Houaiss. Mas o céu está em preto e em branco e desse cinzento cai uma chuva miudinha. Parece-me que o Inverno chegou sem obedecer ao calendário. E o que poderão interessar à Natureza tais convenções do papado de Gregório XIII? Que verdades acima do vento, do tempo, dos meses, da irregularidade dos dias de cada mês. Que noções feéricas, ancestrais, sobre a temperatura que a terra contém. Ditaram antes as árvores, mudando de botões de punho. E as folhas amarelecidas foram mirrando enquanto secavam, adventícias. Os passeios abandonados de Outono surgem agora lavados de fresco. Já não ouvimos os nossos passos da mesma maneira. Trocaram-nos as voltas para olharmos mais ao longe: experimentarmos o azul talássico do Atlântico; ou a neve alta dos Países Baixos que esconde todas as outras cores. São horizontes de bonança. A música tem uma batida imarcescível, contrária às folhas, contrária ao Outono. Acho que este Inverno terei um coração mais quente guardado no peito porque (mesmo que os meses demorem a passar) eu sei que esticarei o meu braço sob o nosso guarda-chuva quando virarmos a esquina de Abril.


domingo, 15 de dezembro de 2013

Self-Portrait in Three Colors

O Filipe e a Rute criaram em 2012 o Silverbox Studio. Abrem-nos a porta para uma viagem no tempo e permitem-nos assistir a todo o processo. Utilizam o Ambrótipo, negativo de vidro com uma solução bem espalhada de colódio húmido, que mergulham em nitrato de prata durante poucos minutos para a realização dos retratos intemporais. Tudo parece pensado ao detalhe: desde a câmara de época (1850) à atmosfera singular, não esquecendo o pormenor do encosto de cabeça para nos permitirmos ficar ali, bem quietinhos a segurar uma expressão durante 6 segundos. 


Segue-se a revelação no laboratório de câmara escura através de um banho de sulfato de ferro e consequente lavagem. O resultado ocorre através de fixação com cianeto sobre uma chapa metálica. A imagem converte-se em positivo. É a altura mais especial. Depois, a chapa é novamente lavada e seca à chama da lamparina, até ficar quente. Por fim é envernizada e colocada num envelope. Em casa tira-se do envelope. E sob a chapa aparecemos a preto, a branco e com aquela outra cor sem nome que cada um tem de sua.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

No Diggity

As versões das canções são algo de extraordinário. Não haja dúvida. Assim como as asas invisíveis dos sapos ou as espirais que agarram as folhas aos cadernos. Mas a mim parece-me que só na música é possível vestirmos a farda do outro e fazermos o trabalho dele à nossa maneira e à nossa vontade. Depois, haverá quem goste e quem não goste. É só mais um valor a favor da linguagem sonora. E, claro, das artes. Mas agora não me estou a cingir à música, estou a evocar também a escrita literária, a pintura, a escultura, a arquitectura, a fotografia - embora neste ponto tente não me lembrar da Sherrie Levine em "After Walker Evans" -, e a continuar por elas adentro, naqueles espaços aconchegadinhos onde me sinto muito bem. Ou por elas afora, estendendo a cortina até outras profissões: por exemplo, noventa por cento do trabalho do ortodentista é artesanato com arame. É isto que eu quero dizer, que se tente esta perspectiva. Porque a Arte é uma parte acutilante que está em tudo. Um género de vértice que se inclina para cada direcção. Não necessariamente no sentido de cima. Já que o céu está frio e demasiado longe. E eu tenho comigo as coisas que eu gosto. E é-me fácil descobrir outras que estavam sentadas ao lado das minhas. É isto que acontece. Ligamo-nos mais àquilo que somos. Àquilo que admiramos. Assim é o amor: Admiração. Aqui não há versões, o que vai além do extraordinário, aliás, em linha recta. Entretanto, desço a persiana para (mesmo assim) dizer: 
(- Chet,) 
I like the way you work it.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

The Fall

Ontem fui a Monserrate. Primeiro, parei no centro de Sintra para tirar fotografias. Depois, atravessei as estradas até lá acima. Aquelas estradas estreitas de alcatrão, cheias de curvas para nos pormos a pensar se virá alguém de frente. Essas mesmas, cheias de «ésses». Ao mesmo tempo, muito largas de tudo: magia, beleza, e, principalmente, da atenção do meu sorriso. Fui cedo. No balanço apressado do carro porque eu gosto de não chegar atrasada. E não chego. Eu até gosto de esperar nessas alturas. Ocupar-me a pensar em ti. Quando já vou a passo tenho a atenção inteira para desembrulhar por ti.

Foi isso que aconteceu porque na entrada não me deixaram descer com o carro. Fui a pé até ao Monte da Lua. A seguir às escadinhas vi, naquela hora, o Palácio em frente. Tão no mesmo lugar como da última vez. Apenas com uma luz ligeiramente diferente. Ainda com mais romantismo. Numa investida de frio de final de ano, ou apenas de final de dia. Depois tive de continuar para o lado. Curioso, o monte lá em baixo. Num lugar de vale, um pouco mais para a direita.

Parque de Monserrate
(c/Panasonic DMC-G5)
Ontem fui a Monserrate e não te vi. Mas estavas em todo o lado. Na sombra. Nas folhas. No restolhar conjunto. Ah! Eu agora parecia ouvir dizer dos Ornatos. Não foi minha intenção. Não vou apagar nem calar-me por fazermos caminhos parecidos. Afinal, a palavra é de toda a gente. E agora, por falar nisso, como eu queria ter-te ouvido ontem. Nas pedras ao lado das que eu calquei. Embora eu nunca me sinta sozinha. Não sei se te diga que ontem não era Verão. Nunca é Inverno depois de te imaginar comigo, nem mesmo em Dezembro. Na verdade, ainda é Outono e ainda há folhas por cair. Can you tell me the difference between Autumn and Fall? Se calhar não é importante. Como tantas tantas outras coisas que não têm importância nenhuma. Não vale a pena andarmos às cabeçadas por causa da distância. Falta tão pouco para te ver pelos olhos. Para te tocar. Para te lembrar de tudo. Outra vez tudo. 

Ontem fui a Monserrate. O parque tão grande, tão cheio de ti. A Natureza abraçava-te. Com aqueles ramos todos. Corredores que me deixavam passar. Junto às figuras de tronco que pareciam explodir. Rebentar de tão bonitas. Deu para ver o barulho do tanto que pensei em ti. De achar tudo perfeito. Podia ser plasticina verde pendendo dos galhos. Não seria menos verdade. Hoje os teus postais a chegarem. Eu a ler as tuas saudades de mim. E os passarinhos do parque ontem já sabiam de tudo. Tenho a certeza.


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Taro

2:23 e a propósito de estar pesquisar a biografia do húngaro Robert Capa (Endre Ernö Friedmann) descubro que esta canção da minha preferência (dentro e fora) do repertório musical dos Alt-J é sobre a fotojornalista de guerra Gerda Taro, que morreu tragicamente aos 27 anos atropelada por um tanque franquista. Esta imagem foi tirada por ela, no seu último ano de vida, ao companheiro e parceiro de fotografia, Capa. 


Dez anos depois do desaparecimento de Taro, Capa torna-se co-fundador da Agência Magnum ao lado de Cartier-Bresson, David Seymor e George Rodger. E é também num cenário de guerra que morre, pisando uma mina, aos 40 anos. As artes convergem nesta estrada: desde a Fotografia, até a música actualizar os factos. E as coordenadas do tempo e do espaço interceptam-se, fazendo um triângulo com a História. O mundo parece capaz de apertar-se, de repente estamos todos frente a frente: olhamo-nos e cumprimentamo-nos. Somos uma espécie de ângulo mais agudo do que ontem, mas equidistante. A História é esse túnel de tempo, cheio de cartazes colados indefinidamente. Há-de ser um círculo do tamanho do anel pulsante de Saturno. Eu costumava dizer que o presente não acontece: ou já foi ou será. Mais ou menos como tudo o resto. Os passeios estão cobertos de folhas secas. Para o ano haverá outras que me parecerão iguais, e no entanto... Até amanhã.


Indochina, Capa jumps Jeep, two feet creep up the road
To photo, to record meat lumps and war,
They advance as does his chance – very yellow white flash.
A violent wrench grips mass, rips light, tears limbs like rags,
Burst so high finally Capa lands,
Mine is a watery pit. Painless with immense distance
From medic from colleague, friend, enemy,
foe, him five yards from his leg, From you Taro.
Do not spray into eyes – I have sprayed you into my eyes.
3:10 pm, Capa pends death, quivers, last rattles, last chokes
All colours and cares glaze to grey, shrivelled and stricken to dots,
Left hand grasps what the body grasps not – le photographe est mort.
3.1415, alive no longer my amour, faded for home May of '54
Doors open like arms my love, Painless with a great closeness
To Capa, to Capa Capa dark after nothing,
re-united with his leg and with you, Taro.
Do not spray into eyes – I have sprayed you into my eyes.
Hey Taro!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Pausa (Número Seis) para Publicidade:

Como vender um beijo, através de um carro?


«Le Baiser de l’Hotel de Ville», Robert Doisneau
e se eu (só) quiser a música?

(composta expressamente para o anúncio)